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sábado, 17 de março de 2018


Aguerrida bola no pé
Cyro de Mattos



Um time de futebol não se faz somente com  jogadores que têm o fino trato com a bola, aqueles que constroem o jogo  e funcionam como o cérebro da equipe. Precisa daquele jogador que, impelindo-se na jogada com esforço, coragem e tenacidade destrua a intenção do  adversário. Na defesa é preciso que jogue sério, não enfeite, nem faça filigrana, antecipe-se no lance, deixando o atacante sem pegar na bola ou impedido de armar a jogada, frustrado. Entre os jogadores aguerridos, que se apresentaram no Campo da Desportiva,  lembro do  quarto zagueiro Itajaí e de Neném, o coringa.
Itajaí era quarto zagueiro vigoroso.  Jogou no Janízaros e na seleção amadora de Itabuna. Não perdia a jogada, entrava  duro, mas era  leal na marcação do atacante. Com ele, a bola tinha que ficar fora da zona de perigo. Acontecia que às  vezes sua jogada impetuosa cometia infração no atacante, recebia a vaia estrondosa do torcedor rival. Ele mais se inflamava, mais se empenhava, mais procurava anular o atacante. Só faltava comer a grama, queria a vitória do seu querido Janízaros ou da seleção de Itabuna, sem medir esforço. Uma de suas qualidades era não perder o tempo da bola.
Neném era o coringa do Janízaros. Defendeu também a  seleção amadora de Itabuna, meta maior que qualquer jogador  daquele tempo queria alcançar para se sentir realizado como atleta. O fôlego nele sobrava. Como lateral direito, o ala como é chamado hoje, incrível como corria e não cansava pela beirada do campo. Nessa posição tanto defendia como atacava. No vaivém do jogo, como um lateral moderno, era de uma entrega total na defensiva e ofensiva da faixa lateral do campo. Comum ir até a linha de fundo do time rival e cruzar a bola para o atacante de seu time fazer o gol.
Não se sabia onde era que arranjava tanto fôlego para correr com aquela disposição. Era adepto da boêmia, dizendo que com uma boa dama na dança,  cerveja gelada e bom papo com os colegas da noite, conseguia inspiração para atuar no domingo seguinte como um lateral direito eficiente, de mobilidade rara no vaivém da partida.
Era dançarino com passos que chamavam a atenção, os malabarismos engraçados que fazia com a dama sobressaíam entre os pares no salão. Arrancava suspiros da parceira no samba ou  bolero, somente ele sabia dançar o tango. No domingo seguinte,  como se não tivesse  a gosto,  durante a noite animada do sábado, véspera de jogo, corria os noventa minutos como um velocista nato. Fazia o torcedor vibrar,  a arquibancada tremer, quando tomava a bola do atacante e saía disparado na direção da linha de fundo do time adversário. Ninguém segurava o homem.
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Cyro de Mattos é contista, poeta,romancista, ensaísta, cronista e autor de livros para crianças. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Conquistou o Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, com o livro “Cancioneiro do Cacau”, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, com “Os Brabos”, contos,  o APCA com “O Menino Camelô” e O Prêmio Nacional Pen Clube do Brasil com o romance “Os Ventos Gemedores”. Finalista do Jabuti três vezes.  Distinguido com a Ordem do Mérito da Bahia. Pertence ao Pen Clube do Brasil.


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