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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018





Conversa

Cyro de Mattos 


- Você soube o que aconteceu ontem na rua do comércio?
- Não faço ideia.
-Tiroteio da polícia com os traficantes.
- De dia?
- Pela tarde.  Resultado, três bandidos mortos, um policial assassinado, uma mulher grávida  que passava no passeio tombou morta com um tiro na barriga.
- Ninguém sabe  até onde vamos parar com essa onda de violência..
- Ninguém está seguro.
- Assalto a banco, bala perdida matando gente, latrocínio, estupro de padrasto em enteada de um ano, explosão de caixa eletrônica, político corrupto roubando milhões dos cofres públicos e do povo, aluno esmurrando a professora e por aí vai.
- Você sai vivo de casa e pode voltar morto.
-  Todo mundo se queixa de tudo,   mas ninguém respeita a vida.   
O magro fica  em silêncio. O gordo cabisbaixo.


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018





          Os Apelidos Entram em Campo

                      Cyro de Mattos
           
             O humor acontecia no Campo da Desportiva e entrava para o anedotário com os apelidos dos jogadores. Balaco, Galeão, Puruca, Tuta, Zé Prego, Sapateiro, Tenente Cotó, Ruído, Pipio,  Jeguinho, Lubião, Bacamarte e Mil e Quinhentos. No  tempo da Associação, São Cristóvão, Grêmio, Itabuna e Janízaros,  primeiros anos do Campo da Desportiva, os apelidos soavam como fantasia ou um sinal de identificação de inteira verdade.
          Apareceram tempos depois jogadores com o apelido de Camamu,   Mão-de-Tripa, Porroló, Galalau, Pantaleão, Nonô Piquete, Carrapeta,  Chicletes, Gajé, Mundeco, Bita, Pintado Alfaiate, Ferrugem  e  Diaço.  Dois jogadores tiveram o apelido  de Jeguinho em épocas diferentes. Eram  parentes, tio e sobrinho, jogaram no Janízaros como  zagueiro central.  Bacamarte também foi o apelido de dois zagueiros. Um  jogou na Associação, o outro no Flamengo de Paulo Ribeiro. Eram defensores vigorosos.  O chute violento de cada um deles  explodia como um tiro de bacamarte.  
        O  apelido era tirado do sobrenome do jogador.  Carpóforo, Mangabeira, Barros, Marinho e Wense, que de vez em quando aparecia no jornal escrito como Vence. Fazia alusão a um bicho. Caxinguelê, Peba e Macaquinho. Bacurau, ponta-direita, gostava de marcar gol no fim do segundo tempo, as sombras do entardecer  começando  a dificultar a visão da bola.
       Às vezes,  a expressão composta de nome e apelido formava o chamamento inusitado.  Eliezer Melgaço, Orlando Anabizu, Ronaldo Chiranha, Edson Gasolina, Alberto Pastor, Valdemir Chicão. Alguns apelidos revelavam que o seu dono era um jogador de recursos técnicos e possuía um futebol de alto nível. Doutor Clóvis, Professor Juca, Mestre  Delicado.
         Havia Tombinho e Tombinha. O primeiro jogou na Associação, ponta-direita,  de estatura pequena,  o corpo redondo tombava a todo instante, era só o marcador disputar a jogada com o ombro ou encostar nele, mesmo de leve.   Tombinha jogava para o time, não aparecia durante o decorrer da partida. Poucas eram as pessoas que o conheciam quando se falava em  Manoel Marques. Quando se falava em Tombinha, as façanhas do jogador mais catimbeiro que atuou  no Campo da Desportiva eram lembradas por jogadores e desportistas.  
         Corria no jogo  apelidos com o nome de mulher. Odete e Vanda. Do último se sabe que a alcunha veio da infância. O menino tinha os cabelos grandes e usava trança, a mãe achava-o parecido com uma menina, daí  ter dado ao filho o apelido de Vanda. De tanto os irmãos chamá-lo  pelo apelido, pegou feito visgo.   Também o craque Santinho trouxe o apelido da infância.  Os familiares que viam o menino dormindo  diziam que “ele parece um santinho.”
              Uns aludiam a peixe. Piaba,  Peixe-Louro. Outros lembravam um bicho. Caxinguelê. Gato Preto, Aranha, Macaquinho, Ratinho. E ainda outros davam a entender que o jogador tinha outra nacionalidade. Sírio, Sueco, China, Gringo, Americano, Paraguaio.  Para não se falar do apelido indicando que ali no dono  estava  um jogador igual a um corredor nato. Velocidade, Carlito Agonia. Chegavam a ser reverenciados pelos seus admiradores como os filhos do vento, tanto eles corriam.
         Zeferino,  Colatino.  Madeira,  Manchinha. Caticuri, Vivi,  Marão,   Jonga,  Beca.  Tindola.  Zoinho,  Mudo.  Noca, David Pintado.  Nocha. Macarrão.  Daú.  Nenzinho,   Neném. Pinga,  Zé Neguinha. Nininho.  Abissínia,  Bié.   Mamão,  Justo,  Bel.  Wilson Longo, Zequinha  Carmo,   Zé Moleque,   Patuca,   Mágoa, Pelé-Cotó.  Mateirinho, Brezegue, Dinho do Roque.  Zezé, Zezeco, Zelinho. Balancê da Mata, Mateirinho, Tico-Tico. Boca-Rica, Charuto. Barril, Tertu, Leto.  Pedrinha, Roliço. 
              Cada um com a sua classe, seu esforço, sua graça. Levava o torcedor ao pequeno e prazeroso Campo  da Desportiva  para aplaudir, vaiar ou sorrir,  do primeiro ao último minuto do jogo.      


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018



ÂNGELO ROBERTO NO PARAÍSO
     Por RUY ESPINHEIRA FILHO
        
        E o grande amigo e grande artista Ângelo Roberto se mudou, no último domingo, para a Eternidade. Cumprindo um velho compromisso, de quase 80 anos, pois a Eternidade sempre esteve presente na sua vida e na sua arte. Não era à toa sua intimidade com São Francisco de Assis, que considerava o mais alto dos santos. Agora mesmo estou vendo aqui, numa parede da sala do apartamento de minha mulher, Maria da Paixão, o “poverello” cercado de pássaros, nos traços admiráveis de Ângelo Roberto. Já na parede de minha casa, nos mesmos traços, uma caricatura: eu sentado num banquinho formado por livros empilhados, com um violão e cercado por garrafas de cerveja devidamente esvaziadas...
         Fui apresentado a Ângelo em 1961, pelo poeta Affonso Manta, no bar de Secundino, onde passei a conviver também com Carlos Anísio Melhor, Jehová de Carvalho, Fred Souza Castro. Outra presença constante era o fotógrafo e cineasta Roberto Gaguinho. Na época da apresentação, Ângelo tinha 23 anos; eu, 18. Veio de então o companheirismo e o afeto que logo se encerravam em nosso peito juvenil e assim se mantiveram ao longo de todas as águas do tempo que passaram e ainda passam...
         Certa vez Ângelo fez uma exposição no Barril Vermelho, bar e restaurante do Rio Vermelho, e o saudei numa crônica em versos que começava assim: “É no Barril Vermelho, galeria/ de arte, que o Artista inventa o dia.” Anos depois publiquei um romance intitulado “O príncipe das nuvens”, inspirado em nossas rondas boêmias, sobretudo em Carlos Anísio Melhor e Ângelo Roberto. Anísio aparece como o poeta C.A. Maior, mas Ângelo surge com o nome artístico completo: Ângelo Roberto. E também o poema se incorporou à história. Ângelo, dos amigos mais iluminados que tive...

         Manuel Bandeira dizia que com a idade o nosso coração fica como um cemitério. Quanto a mim, não sepulto ninguém. Todos os meus mortos continuam vivos e me fazendo companhia. E aqui estou eu com Ângelo ao meu lado. Agora e enquanto continuarem fluindo as águas da Eternidade...