Páginas

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

               










                                     
        Natal
       
         Cyro de Mattos

       Tudo é canto pelos ares, chão e mares.
       Todas as manhãs  acesas, o mundo esplende de paz.
       Luz nunca vista ilumina seres e coisas.
      Põe amor nas vistas, de tão pura.
      Alegra nessa estrada por onde os bichos andam.
       O menino pergunta:
      - Por que tanta luz?
      O pai responde:
      - Em Belém nasceu Jesus.

sábado, 15 de dezembro de 2018








Crença

Cyro de Mattos


Por que os homens
Amam a droga
E não da abelha
Os favos de mel?
Por que os homens
Amam as balas
E não a paz
Sem nenhum fuzil?

                                     Mas eu creio nessa manhã
Anunciada em Belém
Por um menino rei
Em seu berço de palha.

Eu gosto de ouvir
Sua canção na estrada
Falando duma união geral,
Que viver vale a pena
Quando a vida é uma dança
Com os homens como irmãos,
Cantando como passarinho,
Sorrindo como criança.



domingo, 25 de novembro de 2018







PRÊMIO “POESIA E LIBERDADE ALCEU AMOROSO LIMA”
DE 2018 VAI PARA O POETA ÁLVARO ALVES DE FARIA


                O poeta Álvaro Alves de Faria foi distinguido com o Prêmio “POESIA E LIBERDADE Alceu Amoroso Lima”, de 2018, pelo conjunto de sua obra poética. O prêmio será entregue no dia 5 de dezembro, no Centro Alceu Amoroso Lima – o Tristão de Athayde -, da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. O poeta é autor de mais de 50 livros no Brasil, especialmente de poesia. É também autor de peças de teatro. Álvaro Alves de Faria se considera um militante da poesia, desde os tempos de “O Sermão do Viaduto”, nos anos 60, quando realizou 9 recitais no Viaduto do     Chá, em São Paulo, com microfone e quatro alto-falantes.

             Por esse motivo foi detido cinco vezes pelo Dops. O Sermão do Viaduto acabou proibido. No final dos anos 70, também foi proibido pela censura seu livro “4 Cantos de Pavor e alguns Poemas Desesperados”. Sua peça “Salve-se quem puder que o jardim está pegando fogo”, que recebeu o Prêmio Anchieta para Teatro, na época um dos mais importantes do país, também foi proibida de encenação nos anos 80 e permaneceu censurada por 8 anos.
             Em 1969, o poeta foi preso por 11 meses, como subversivo e por desenhar os cartazes do então Partido Socialista Brasileiro. Três anos depois, levou um tiro no ouvido e tem até hoje na cabeça a bala calibre 38, como herança da ditadura militar. Ao longo do tempo, dedicou-se por 15 anos à poesia portuguesa. Tem 19 livros de poesia publicados em Portugal e 7 na Espanha, além de participar de mais de 50 antologias de contos e poesia no Brasil e no exterior. O Prêmio POESIA E LIBERDADE é um dos mais importantes e significativos do Brasil no reconhecimento de uma obra poética que sempre foi testemunha de seu tempo, num ato de resistência.
           Antes do poeta Álvaro Alves de Faria receberam o prêmio “POESIA E LIBERDADE Alceu de Amoroso Lima” os poetas João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Adélia Prado, Paulo Henrique Brito, Armando Freitas Filho, Marco Lucchesi, Antonio Cícero e Leonardo Fróes.
 


quinta-feira, 15 de novembro de 2018





                               

                                
    Poemas do Negro

Por  Cyro de Mattos

Abolição

Na zoeira do terreiro
Batucam que batucam
Tambores sem cambão.

Trepidam nesses punhos
O suor, a lágrima, o sangue
Nos rastros do negro fujão.

Todos batem nesse tambor,
Pode até não ser de fato
A tão esperada abolição.

Mas é o começo duma hora
Que se faz tão grandiosa
Como o verde na amplidão.

 África agora é uma só voz
Na esperança das manhãs
Sem o ferro do vilão.

Canga

Não se logra extrair
Os ossos dessa massa,
Os músculos mutilados
No esforço dos anos.
Tuas mãos, escravas,
Alimentadas na turva
Ferida, dor sem cura.

A atrocidade no ferro
Que furou o coração,
 A enchente na vala
Que transbordou de mágoa,
Nuvens não tocadas. 
Nunca será paga a conta
Na mancha que envergonha.

Como herança os rastros
Dessa noite escura na pele
Que te lança nos muros,
Agarra-te  nas  manhãs
Com sua claridade vista
Apenas pelos não pretos.
Até quando barreiras
De tua  cor opaca farão
Da vida  uma coisa qualquer, 
Desigual, desvão sem canto?

Pelourinho

Como suportar?
Treze... trinta... cinqüenta...
Até o último gemido.

Os outros olhando
Cada chibatada. Tristes,
Sem nada fazer.    

Ladeiras gastas.
    E esse vento que recusa  
   Ao largo a desgraça.


sábado, 3 de novembro de 2018






Do trabuco à palavra

Cid Seixas




São duas armas, uma é mortal; a outra vislumbra a imortalidade. A escolha se impõe. Vamos ao texto.
Cyro de Mattos é um dos muitos escritores baianos da região do cacau – e um dos poucos cujo trabalho constante e associado ao necessário talento, é capaz de assegurar-lhe um lugar de destaque no quadro da Literatura Brasileira.
Sua produção remonta aos emblemáticos anos sessenta, quando publicou Berro de Fogo, seu primeiro livro, ainda marcado por imperfeições e outros traços de início de uma aprendizagem. Consciente da falibilidade do artista, Cyro exclui o livro da sua bibliografia para aproveitar o conto-titulo e publicar, já em plena maturidade, em 1997, pela Editus e Fundação Jorge Amado, uma das suas obras clássicas: Berro de Fogo e Outras Histórias.
Alceu Amoroso Lima, crítico e pensador dos mais respeitados, que adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde, deu-nos um testemunho essencial para a inclusão do nome do grapiúna no quadro da literatura brasileira do século vinte:

“Extraordinária capacidade de dar aos aspectos mais típicos da realidade nacional, em estilo profundamente impregnado da nossa fala brasileira, a revelação de um escritor visceralmente nosso... admirável ficcionista”.

Convém lembrar que foi em 1968 que Cyro de Mattos viu seu nome ser incluído entre os bons contistas, quando a narrativa “Inocentes e Selvagens” – selecionada para figurar neste e-book – recebeu o Prêmio Internacional Cervantes, da Casa dos Quixotes, para autores portugueses, africanos e brasileiros de língua comum.
É ele quem revela, em correspondência de outubro de 2018, ao organizador deste volume:

– “Concorri com mais de 100 autores. Como era um concurso  expressivo na época,  lançou-me como autor de ficção curta no circuito nacional. Eu era desconhecido, estava dando os primeiros passos,  hesitantes, em minhas atividades literárias. Havia publicado Berro de Fogo, contos, livro riscado de minha bibliografia; nasceu imaturo, cheio de vícios.”

A atitude consciente do contista, rigoroso a ponto de abandonar um livro que não mais respondia ao rigor da sua obra, nos remete ao escritor português Miguel Torga, cujo primeiro volume das suas obras publicadas no Brasil, pela Nova Fronteira, em 1996, tive a oportunidade de fazer uma introdução crítica, por sugestão da família do autor. Como foi observado, não apenas vários contos, mas alguns livros torguianos, na sua forma original, foram reescritos, repetidamente, em novas e constantes reedições. Nesse particular, o nosso Cyro de Mattos adota o procedimento do autor português da geração de presença, diferentemente do que fez o também grapiúna Jorge Amado, fundador e figura de topo do ciclo do cacau na Literatura Brasileira.
Amado não volta aos seus romances da juventude para reescrevê-los. Ao contrário, deixa essas obras na forma original, mesmo quando revelam uma escrita em processo de amadurecimento ou quando traduzem uma perspectiva ideológica que se modificou ao longo do tempo, especialmente ao descobrir – com traumas e assombro – as incoerências da prática comunista de Stálin, contrárias à sua concepção humanista da socialização dos bens e dos valores.
Voltando ao juízo feito por Cyro de Mattos das suas narrativas, convém transcrever mais um trecho da já referida correspondência:

– “O conto “Os Recuados”, pungente e denso, é a história de uma mãe miserável, coitada, que mata o filho por amor, pois não suportava mais vê-lo chegar em casa bêbado. Ele bebia muito porque se via rejeitado como um índio pelos humanos, na feira. Deixo que isso seja visto nas entrelinhas.”

Em 1983, a Editora Tchê, de Porto Alegre, deu a lume o livro Os Recuados, de onde foi retirado o conto título, para compor este livro digital agora publicado na coleção “Teal” da E-Book.Br. Estes dois contos já citados são fundamentais na obra do autor e, coincidentemente, ouvindo-o sobre suas preferências, ele destacou as duas narrativas que ao lado de outras já tínhamos em vista para integrar este volume.
Surpreendentemente, para mim, Cyro de Matos destacou textos por ele intitulados de “contos de gente jovem”. O primeiro deles é “História do Galo Clarim”, que eu não conhecia e creio continuar ainda inédito, e o segundo é “O Menino e o Boi do Menino”, que completam este volume intitulado Nos Tempos do Trabuco. Esse último texto saiu em 2007 como um pequeno livro para os novos leitores infanto-juvenis, através da editora Biruta, de São Paulo.
Pela qualidade dessa faceta do escritor, a de autor de livros para jovens e crianças, e ainda mais pela natureza das narrativas de múltiplo alcance, isto é, capazes de interessar ao público adulto e a conquistar jovens andarilhos que se aventuram pelos caminhos da leitura, tais inclusões valorizam este e-book..
Embora apenas os contos “Inocentes e Selvagens” e “Os Recuados” integrem explicitamente a sangrenta temática do ciclo do cacau na Literatura Brasileira, o leitor das obras de Cyro de Mattos tende a situar esses singelos acontecimentos da infância no mesmo cenário geográfico das suas outras narrativas ficcionais, plenas de heroísmo e vilania que marcam a saga do cacau.
Convém observar que “Inocentes e Selvagens”, além de ter aberto espaço para esse escritor nascido em 1939, na cidade de Itabuna, veio a integrar o livro Duas Narrativas Rústicas, editado no Rio de Janeiro, em 1985, pela editora Cátedra.
Jorge Amado foi um dos muitos leitores privilegiados da obra desse escritor a deixar patente a admiração pela sua escrita genuinamente brasileira:

“Cyro de Mattos possui uma personalidade vigorosa e original, a condição humana dos personagens que surgem do seu conhecimento e da sua emoção nada tem de artificialismo... O autor de Os Brabos pisa chão verdadeiro, toca a carne e o sangue dos homens, entre sombras e abismos.”

Diplomado em Direito pela Universidade Federal da Bahia, ele foi atraído pela força e pelo encanto da palavra escrita. Seguindo o caminho da maioria dos escritores brasileiros da região Nordeste, Cyro também se fez retirante, levando seu gibão de couro, cheio de histórias pra contar, até a ex-capital do país, o Rio de Janeiro. Para encontrar audiência, trabalhou como redator do Diário de Notícias, do Jornal do Comércio e de O Jornal, de 1966 a 1971; colaborando ainda com artigos e contos na revista A Cigarra e nos Cadernos Brasileiros e Leitura, além do Suplemento Literário do Jornal do Brasil e d’O Jornal do Escritor.
Como o bom filho quase sempre retorna à casa paterna, o escritor Cyro de Mattos voltou a morar em Itabuna, onde exerceu a advocacia e também encontrou tranquilidade para fazer frondosa a sua obra de mil e uma facetas.


·        Cid Seixas é poeta,  ensaísta e Doutor em Letras pela USP. Editor da Editora Digital Universitária. O texto  “Do Trabuco à palavra” é a apresentação do livro “Nos Tempos do Trabuco”, do baiano Cyro de Mattos, publicado pela e-book Editora Digital Universitária, Salvador, 2018.


terça-feira, 30 de outubro de 2018





Livro de Cyro de Mattos É Publicado Pela
 Editora Universitária do Livro Digital

     
        
           O livro Nos Tempos do Trabuco, do baiano Cyro de Mattos, uma reunião de quatro histórias, comparece agora ao acervo de livros eletrônicos da e-book.br Editora Universitária do Livro Digital (HTTP://literatura.blogspot.com), ficando assim disponibilizado para leitura gratuita. O livro tem organização, apresentação e notas de Cid Seixas, poeta, ensaísta e Doutor em Letras pela USP.
    Nos Tempos do Trabuco reúne as histórias “Inocentes e Selvagens”, Prêmio Internacional Miguel de Cervantes da Casa dos Quixotes do Rio de Janeiro, para autores de língua portuguesa, “Os Recuados”, do livro com o mesmo  nome, Prêmio Nacional Jorge Amado no Centenário de Ilhéus, “O Menino e o Boi do Menino”, conto infantojuvenil, publicado pela Editora Biruta, e o inédito “História do Galo Clarim”, juvenil.
     Eis os links onde o livro pode ser acessado: www.e-book br  www.linguagens.ufba.br  HTTP:// issuu.com/e-book.br . Se quiser ler o livro no celular é só copiar o endereço www.linguagens.ufba.br e enviar para o mesmo. Outros livros de Cyro de Mattos que já estão digitalizados:   Berro de Fogo e Outras Histórias, Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz, 2ª. edição, 2013;  (WWW.uesc.br/editora); Histórias do mundo que se foi, Editora Saraiva, São Paulo, 2012; O Menino e O Trio Elétrico, Editora Atual, do Grupo Saraiva, São Paulo, 2012; Natal das Crianças Negra”, FDigital IDP (Independent Direct Publishing), www.fdigitalidp.com, Reino Unido (Londres), 2012;  O Triunfo de Sosígenes Costa, com Aleilton Fonseca, Editus , editora da UESC, Coleção Nordestina, Ilhéus, Bahia, 2004 (WWW.uesc.br/editora);  Poemas escolhidos/Poesie scelte, tradução de Mirella Abriani para o italiano, Segundo Prêmio Internacional  de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, Genova, Itália, Escrituras Editora, São Paulo, 2007; O Conto em Vinte e Cinco  Baianos, Editus, editora da UESC, Coleção Nordestina, Ilhéus, Bahia, 2009 (WWW.uesc.br/editora); Cancioneiro do Cacau, Editus, editora da UESC, 2ª. edição, 2016 (www.uesc.br/editora); “Histórias Dispersas de Adonias Filho, organização, notas e prefácio, Editus, editora da UESC, WWW.uesc.br/editora; A Casa Verde e Outros Poemas, Editus, editora da UESC, WWW.uesc.br/editora

sábado, 20 de outubro de 2018




Cyro de Mattos em Antologia
Poética que Homenageia
Universidade na Espanha


Lançada neste mês de outubro, durante o XXI Encontro de Poetas Iberoamericanos, em Salamanca, Espanha,  a antologia poética “Por ochos centurias”, organizada pelo poeta e tradutor Alfredo Pérez Alencart, incluiu o poema inédito  “A Uma Casa de Saber” , do poeta baiano Cyro de Mattos,  dedicado à Universidade de Salamanca.  Figuram também na obra, no elenco dos brasileiros,  os poetas Carlos Nejar, Reynaldo Valinho Alvarez, Astrid  Cabral, Álvaro Alves de Faria, Davi de Medeiros Leite, Paulo de Tarso Correia de Melo e Alíce Spindola.
A antologia, alentado volume de 600 páginas,  é uma publicação da EDIFSA, Editora da  Fundação Salamanca, Cidade de Saber e Cultura, e tem como objetivo homenagear as universidades de Salamanca e São Marcos de Lima, por seus oito séculos de atuação universitária. O livro tem capa do pintor espanhol Miguel Elias, reúne poetas de todos os países iberoamericanos, além de outros, como Israel, Itália, Romênía, Estados Unidos, Croácia, República Checa, Iraque, Alemanha e  Bulgaria, entre outros
Leia, a seguir, o poema de Cyro de Mattos,  dedicado à Universidade de Salamanca, aqui transcrito. -  A Uma Casa de Saber -    Há belezas e sonhos na morada/ Desse sol, que como o fogo arde/ Na palavra cheia de razões.// Safras do saber produzem/ As estações às esperanças./ O que pretendem dizer?// Espelho que me estende a aurora,/ O espírito do homem no elogio/ Dessa vontade em decifrar o ser.// Veste-me com os perfis desse jardim./ As nuvens ensinam-me que a chuva/ É o foi, o é e o será. //Tudo que é labor, / Coisa e forma entre o tempo e o vento./ / Juntamos as lições,/ ouvimos os anos /Com a sua paixão de linguagens.// Converso comigo e os outros/ Nos campos que guardam questões./ Podemos reconhecer um enigma,// A causa de como acontecemos,/ Na penosa mutação das vozes/ À previsão eterna de um hábito.// A exata música com que um dia/  Fray Luís de León ofertou-me/ A flor que se espraia a todo instante.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018





O Goleador Tindola e O Goleiro Asclepíades

Crônica de Cyro de Mattos



O Janízaros era um dos times grandes do campeonato da Liga.  Um dos seus ídolos era o centroavante Tindola, apelidado de “Cabecinha de Ouro”, pelo cabeceio forte que sempre terminava em gol. Era um preto baixo, troncudo e musculoso. Fora responsável por vitórias maiúsculas do esquadrão azul e branco quando tudo parecia que estava perdido
Quando o Janízaros jogava contra o Flamengo, os desportistas na semana não falavam em outra coisa pela cidade que não fosse o duelo entre os dois grandes times do futebol amador da Liga.  Surgiam comentários sobre o duelo à parte entre o centroavante Tindola, o implacável goleador no cabeceio, e o arrojado goleiro Asclepíades, o que tinha punhos de ferro e peito de aço.
Asclepíades era um preto forte, de estatura baixa para jogar no gol, mas saltava como uma fera esfomeada  para com as mãos fechadas  socar a bola. Saía  muito bem do gol, nas bolas cruzadas da intermediária  ou nas que vinham do escanteio. Havia sido um dos heróis da seleção amadora da cidade, que se sagrou campeã  no Torneio Intermunicipal Governador Antonio Balbino, disputado no Estádio da Fonte Nova, em Salvador. Fechou o gol na última partida contra s seleção de Alagoinhas.
O centroavante Tindola não resistiu ao soco que lhe desferiu o furioso goleiro Asclepíades no final da partida, em disputa pelo título do campeonato.  Ali mesmo na pequena área caiu estrebuchando. Foi levado às pressas para o hospital da Santa Casa de Misericórdia. E lá por vários dias permaneceu em observação pelos médicos de plantão, até que acordou no oitavo, a custo de muitas injeções e massagens no peito.
Um enfermeiro comentou mais tarde  com um dos torcedores do Janízaros que o centroavante Tindola,  também exímio cabeleireiro, em sua tenda instalada no Beco do Fuxico,  teve febre alta, suando muito quando deu entrada no hospital.  O quadro era  muito preocupante. Foi levado para a unidade de terapia intensiva, sem perda de tempo.
Quando retornou de lá para o apartamento, depois de alguns dias conseguiu com dificuldade pronunciar as primeiras palavras.  No delírio dizia com a voz trêmula:
          - Eu te perdoo, Asclepíades, meu caro amigo... mas não faça mais isso comigo... ainda quero criar meus filhos...
  Quando perguntaram ao Asclepíades, se não estava preocupado com a situação do Tindola, que dera para falar bobagens com os clientes, depois que saiu do hospital e retomou seu ofício de  cabeleireiro caprichoso  e barbeiro de navalha hábil,  na tenda “Gol  Cabeça de Ouro”,   ele respondeu que não via nada de mais no que tinha acontecido.
Afirmou com o rosto sério:
- Futebol é pra homem!” -  acrescentando:  -  Atacante que se cuide. Cara feia do Tindola ou de outro jogador atrevido, metido a goleador no cabeceio, nunca me meteu medo.   
E, dando uma cusparada para o lado, com aquela cara feia que fazia quando partia para esmurrar a bola,  vinda na direção do atacante, em atenta posição para o cabeceio, finalizou:  
- Na pequena área, atacante saia da frente, a bola é minha!


segunda-feira, 1 de outubro de 2018




Academia de Letras da Bahia
promove seminário sobre obra
de João Carlos Teixeira Gomes




A Academia de Letras da Bahia promove nos dias 3 e 4 de outubro, em sua sede, na Avenida Joana Angélica, 198, Nazaré, em Salvador, o seminário “Entre Labirintos e Tesouros – a poética de João Carlos Teixeira Gomes”. Os debates versarão sobre a trajetória e a obra desse importante intelectual baiano, conhecido por sua atuação como jornalista, professor universitário e escritor. Gomes é também membro da Academia de Letras da Bahia  onde ocupa a cadeira número 15.
No primeiro dia do evento, a professora universitária  Antonia Herrera abordará o tema “ Na Encruzilhada do Fazer Poético – o Labirinto de Orpheu”. O tema “Joao Carlos Teixeira Gomes – O Mago dos Ventos” ficará por conta da escritora  Cassia Costa Lopes, enquanto o ensaísta Sandro Ornellas destacará “Aspectos da Critica de João Carlos Teixeira Gomes”. A mediação estará a cargo da Professora Doutora em Letras  Edilene Matos.
O segundo dia do seminário terá como tema “ A Geração Mapa – depoimentos e diálogos” e contará com a participação dos poetas Fernando da Rocha Peres, Florisvaldo Mattos e Kátia Borges como debatedores. A mediação será feita pela crítica e acadêmica Gerana Damulakis.
         Associando-se ao evento, patrocinado em boa hora pela Academia de Letras da Bahia, o poeta e escritor  Cyro de Mattos, em afetuosa homenagem, manifesta sua admiração pelo homenageado, ao escrever os versos singelos do  “Poemeto do Joca”,  que transcrevemos abaixo:

  Poemeto do Joca

João Carlos Teixeira Gomes,
Moço apelidado de Joca,
De tanto afeto que por ele temos,
Quem não sabe fique sabendo.

Eis que surge menestrel
No Colégio da Bahia,
Na Faculdade às voltas
Com o direito e as letras.

Eis o Joca jornalista
Arrojado, contundente.
É o ensaísta de Gregório,
Boca de fogo como ele.

Eis o Joca poeta grande, 
Nesses rincões da Bahia,
De gafanhoto domador,
Contemplativo da esfinge. 

De bom gosto sonetista,
Entre tesouro e labirinto,
Um dos melhores no Brasil.
Até mesmo em terra lusa.

Iluminado como sempre.


sexta-feira, 21 de setembro de 2018







                                  Papagaio Falso


                                      Conto de Cyro de Mattos

           
Papagaio esperto, falador sem igual, o dono gabava. Tinha o dom de adivinhar quando era tempo de chuva ou de estio. “Vai chover, vai chover!”, alardeava.  “O sol vai comer tudo, vai comer!”, praguejava. Lá vinha ele  agora  com o seu agouro sonoro, o dono do bicho  fazia uma cara de quem não gostara nem um pouco do que acabara de ouvir. O tempo de estio prolongado significava que a lavoura de pouca duração não vingava, a de duração perene definhava e produzia poucos frutos na safra. Isso não era bom para o fazendeiro Felisberto Boca Rica, senhor de muitas roças, que produziam à vontade no chão dadivoso um fruto que valia como ouro, chamado cacau, se o ano  fosse temperado com sol e chuva nas  estações estáveis.
          O fazendeiro Felisberto Boca Rica perdia-se de amores pelo papagaio. “Venha cá, louro, me dê o pé; quer comer hoje o quê? “ O papagaio respondia: “Como torta de carne, como doce de mamão, só não como requeijão.” Não havia dinheiro que  comprasse aquele bicho sabido e engraçado. Não tinha preço, nem a peso de ouro seria vendido um dia. Jurava por si com firmeza, com base na estima que tinha por ele. De boca cheia garantia também pela mulher e os dois filhos,  dois rapagões, em plena dinâmica de músculos e ímpetos. Um era  técnico agrícola, o outro, manobrista de trator e máquinas pesadas,  seus herdeiros legítimos. Se fosse para a alegria de todos,  bem-estar do bicho sabido,  ninguém se preocupasse, iria morrer de velhice, bem cuidado e alimentado do que mais gostasse.
           Eta bicho festeiro, fazia qualquer vivente virar a cara para o alegre de repente, que bom ser o dono dele, vangloriava-se. Quando estava zangado, pelo prejuízo que lhe rendera um negócio mal realizado, o melhor remédio  para desalojar  do íntimo o fel da vida  era ficar ouvindo seu  papagaio esperto imitar gente grande.  Nessa hora crítica, para espantar a crise, sem cobrar nada, o papagaio conseguia a proeza de fazê-lo sorrir, como se estivesse de bem com a vida. Soltava cada ensinamento, o bicho, que causava admiração: “Quem tem pressa tropeça. Bate a cara na pedra!”
           Na segunda-feira  imitava o diretor do colégio Licurino Felizardo, um conquistador de  menina nova, repetindo sem temer, “Licurino Felizardo, tarado! tarado!” Na  terça,  era a  vez do delegado Apolônio, frouxo como o cabo Teotônio, “na cadeia  não tem ladrão porque o Apolônio é cagão”, quem não quisesse ouvir tapasse o ouvido. Na quarta, coitado do padre Joca, o bicho não cansava de lembrar que  o mensageiro de Deus na missa das sete  se engasgou com a hóstia. Na quinta imitava o prefeito, ficava dando a ordem categórica: “Quem ganha mais do que eu aqui esteja preso!”  Na sexta  chamava de cara de mico o juiz  Frederico. Sábado se fazia passar de camelô, esteja a gosto, tudo barato, no miúdo e no grosso. Agora, se fazer de mágico no  domingo, no meio das serpentes, como quis uma vez o dono do circo, pagando um dinheiro grande por essa cena esquisita, não contasse com ele nem um tico.
               O fazendeiro Felisberto Boca Rica era um ferrenho adepto da luta patriótica  para que  o impeachment da presidente Dilma Rousseff fosse aprovado. Aquela mulher petista  não passava de uma simulada guerrilheira, pilantra, corrupta, mentirosa deslavada, estava afundando o nosso querido e valoroso Brasil. Vibrava quando via na televisão a multidão compacta, gritando a uma só voz: “Fora Dilma! Fora!” Fechava a cara quando via a gentalha gritando na avenida, a  todo vapor: “ Fora Golpistas ! Fica Dilma!”
           Não se conformou quando ouviu pela primeira vez o papagaio imitar o povão na gritaria infame: “Fica Dilma! Fica!” Bicho traidor, vira-folha descarado, repetindo de segunda a domingo, abaixo os golpistas, fica Dilma! Fez-se de desentendido a princípio, ante o comportamento  reprovável daquele perigoso subversivo, que morava em sua casa, comia do bom e do melhor, sem pagar um tostão. Destemido, tomado de brios patrióticos, passava junto dele, cantando, “eu sou brasileiro, com muito orgulho, muito amor, ê-ô, ê-ô…” O papagaio revidava de pronto para quem quisesse ouvir: “Dilma fica, leva essa de goleada!”
          Mudou a tática para suportar a palhaçada do bicho vil e impostor, que lhe ofendia o sentimento político,  maltratava a honra e envergonhava o Brasil, emitindo um refrão de locutor insano, que soava como ameaça absurda e desgraça gorda. Manteve-se em silêncio ante as provocações do inimigo incansável, defensor irreversível daquela presidente desastrosa, irresponsável, que cada vez mais levava a nação a uma situação de calamidade pública, possibilitando na engrenagem maluca do sistema tanta falta de emprego com as empresas  fechando.
          impeachment de Dilma finalmente fora aprovado no Senado. O papagaio teve assim  o castigo que merecia, de boca cheia afirmava para quem quisesse ouvir o fazendeiro Felisberto Boca Rica.O bicho virou tira-gosto do churrasco regado a chope. Exatamente no  dia em que o fazendeiro comemorou com os familiares  e amigos  a grande vitória, na qual por justiça o Senado aprovava o impeachment. Botava aquela presidente  maluca para ir plantar batata no deserto,  fora do comando desse  Brasil democrático, tropicalista e brejeiro, com o seu povo mestiço apaixonado por futebol e samba. 

sábado, 15 de setembro de 2018





Entrevista com o ficcionista e poeta Cyro de Mattos


Autor de diversas títulos pela Editus, editora da Universidade Estadual de Santa  Cruz, Cyro fala sobre uma de suas última antologias que organizou,  premiações literárias e a projeção global que elas oferecem para o conteúdo de suas obras
Cadastrado em 07/11/2018 10:10
Atualizado em10/09/2017

A Voz do Autor – Entrevista com o ficcionista e poeta Cyro de Mattos
Cyro de Mattos é contista, romancista, poeta, cronista, ensaísta, organizador de antologia e coletânea,  e também autor de livros infantis. Já publicou mais de 44 livros no Brasil e 13  no exterior, sendo 9 deles com o selo editorial da Editus - Editora da UESC. Em setembro de 2017, o escritor foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela UESC. Em sua trajetória, ele já recebeu mais de 40 prêmios literários, entre eles o Prêmio Vânia Souto Carvalho, concedido pela Academia Pernambucana de Letras, com o livro “Berro de Fogo e outras histórias”, que em 2013 ganhou nova edição pela Editora da UESC, o Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Artes, o Prêmio Pen Clube do Brasil, o Segundo Prêmio Internacional de literatura Marengo d’Oro, em Genova, Itália, duas vezes,   e, recentemente, o Prêmio Literário Nacional Cidade de Manaus. . Seu livro “Vinte Poemas do Rio”, português-inglês, foi indicado para o vestibular da Universidade Estadual de Santa Cruz, durante três anos, como também “O Conto em Vinte e Cinco Baianos”, antologia que ele organizou.
Recebeu ainda Menção Honrosa no Prêmio Jabuti e Menção entre os quatro finalistas no Concurso Internacional da Revista Plural, México, concorrendo com mais de 600 autores. Algumas de suas obras destacam a civilização cacaueira baiana como um dos espaços do seu imaginário fecundo, no qual retrata a paisagem, personagens, lugares, hábitos e histórias. Dois outros grandes acontecimentos marcaram a vida do escritor.  Foi eleito para a cadeira nº 22 da Academia de Letras da Bahia, que tem como fundador Rui Barbosa, e o seu livro, “Histórias dos Mares da Bahia”, foi lançado na 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande da Associação Brasileira de Editoras do Nordeste - ABEU. A obra faz parte da Coleção Nordestina, projeto editorial que reúne livros produzidos pelas editoras da ABEU Nordeste.  Essa coletânea reúne dezesseis escritores baianos, e, entre eles, João Ubaldo Ribeiro, Hélio Pólvora, Ruy Espinheira Filho, Guido Guerra, Gláucia Lemos e Aramis Ribeiro Costa. Alguns anos atrás, seu livro "Cancioneiro do Cacau", Prêmio Nacional Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores (Rio) e Segundo Prêmio Internacional Maestrale Marengo d’Oro, Gênova, Itália, foi lançado na Bienal Internacional do Livro do Rio, em segunda edição, pela Editus.. 
1. As suas obras expressam muito da cultura do sul da Bahia, com destaque especial para a civilização nascida ao longo do tempo pela implantação da lavra cacaueira. Essas representações ganharam projeções internacionais e também importantes premiações no cenário nacional. Como é ver o local de suas criações ganhar uma projeção global? Como o senhor avalia pessoal e profissionalmente essas importantes premiações? 
Canta a tua aldeia e serás universal, disse o russo Tolstoi. Para Fernando Pessoa, o genial poeta português, o melhor rio não era o Tejo, mas o rio que passava ao pé de sua aldeia, porque era o rio de sua aldeia. Houve quem observasse que o homem faz o lugar e não o contrário. E o lugar é onde se registra a memória. O lugar tem sido motivação e símbolo para algumas de minhas criações. Minhas origens e vivências locais têm sido uma das vertentes de minhas produções em prosa e verso. Isso acontece quando às vezes, das germinações à execução da ideia, tomo como ponto de partida minhas vivências na infância, em outras vou buscar ou imaginar o assunto no cerne da história, aproveitando o que vi, colhi nos mais velhos ou até pesquisei.  Pode até mesmo acontecer que imagine um espaço sem localização geográfica, identificável com alguma parte do sul da Bahia, como no romance “Os Ventos Gemedores”, no qual criei o condado de Japará para desenvolver a trama, auscultar os personagens através de conflitos no drama.  Assim, desde que meu texto leve aos outros uma nova forma de conhecimento da vida, através da linguagem que poetiza a vida, situações e gente com nervos e sentimentos, tendo como resultado um alcance universal e reconhecimento, aqui na região e fora de nossas fronteiras, fico contente, torno-me menos incompleto na existência, que para nós humanos é falha, limitada, precária, vulnerável, não basta. É gratificante, um verdadeiro prêmio que é dado ao autor esse tipo de reconhecimento. Acho sensato ser reconhecido em vida pelo meu trabalho, depois de morto só serve para o orador, que passa como herói, ao ressaltar no sepultamento as qualidade de quem se foi para sempre, não está mais neste mundo, ficou submetido ao inexorável. 
2. O senhor foi eleito para ocupar a cadeira 22 da Academia de Letras da Bahia e recebeu o primeiro título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz pela sua contribuição à literatura e à cultura.  O que significam esses novos reconhecimentos na sua carreira literária?
São qualificações de meu trabalho no mais alto nível. Sinto-me honrado, fortalecido, incentivado para continuar a jornada nessa estrada solitária, a essa altura comprida.  Nela, paro às vezes, olho para trás, vejo à direita e à esquerda, sigo em frente com tantas vozes no peito, dos outros, mas que no fundo são também minhas. Vou formando com elas e a minha voz o diálogo necessário, o disfarce múltiplo que desfaz o real e projeta outra realidade com novos sentidos, externa outra linguagem através dos sinais visíveis da escrita, com seu poder metafórico intenso e de proliferação, que me ajuda a sobreviver e a conhecer um tanto mais do que sou, entre o alegre e o triste, o transitório e o permanente, o belo e o feio. Vou cumprindo uma missão, usando as palavras para explicar o inexplicável, mas que é belo, com suas verdades retiradas da vida, a ela devolvidas com razão e emoção, porque assim deve ser.
3. O seu último livro, “História dos Mares da Bahia”, foi lançado na 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no estande coletivo da ABEU pela Editus. A publicação traz 16 contos de importantes escritores baianos, que revelam um cenário de muitas histórias. Por que o mar como fonte de inspiração e ambientação? Como foi a escolha dos autores?
Como se vê sem esforço, trata-se de antologia temática. As histórias têm como foco o mar da Bahia, que entra como o cenário, ora interferindo no destino dos personagens, ora como elemento de composição da paisagem humana. O mar é assim a fonte de inspiração e ambientação de cada história. O mar sempre exerceu uma sedução e atração aos seres humanos. E, como temos ficcionistas na Bahia da melhor qualidade, que souberam focar o mar como fonte de suas criações, resolvi fazer uma antologia com o tema e com esses autores expressivos. O critério da escolha dos contistas se deu em função da qualidade do texto. Convenhamos que, como em toda a antologia, ocorre a omissão, mas os autores selecionados para a coletânea “Histórias dos Mares da Bahia” são os mais representativos do gênero na Bahia. Eu diria sem hesitar que são contistas brasileiros da Bahia, fortes no discurso coeso.  Com seus projetos estéticos e resultados positivos, todos eles vêm contribuindo para que as letras brasileiras operem como meio eficaz de comunicação humana em sua função social.
Fonte: ABEU