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terça-feira, 9 de maio de 2017

                 
                  Eduardo Portella: Pensador da Cultura
                                                      
                                       Cyro de Mattos
  
          Eduardo Portella  era um desses intelectuais atuantes que argumentava com lucidez sobre assuntos de nossas letras e cultura. Graduado pela Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco. Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro,  lecionou até os últimos dias de vida. Ministro da Educação no  governo do Presidente João Figueiredo, lutou pela anistia, foi demitido por ter  dado apoio à greve dos professores  universitários.
 Seu discurso de vida dirigiu-se para os parâmetros de um humanismo solidário com base na ordem da verdade. Foi interditado por aqueles que pensam ser suficiente para valer na dotação humana   o poder que você exerce com o cargo. Dele é a célebre frase: “Não sou ministro, estou ministro”, para afirmar com isso, no tácito entendimento da palavra enunciada, que tudo é transitório ante o eterno que fica.
.    Crítico, pesquisador, conferencista, editor, advogado e político brasileiro. Ocupou a presidência da Conferência Mundial da UNESCO. Foi   diretor das  Edições Tempo Brasileiro, divulgando Heidegger no Brasil e o Formalismo Russo de Yuri Tynianov. Membro titular da Academia Brasileira de Letras, recebido por Afrânio Coutinho.  Naquela instituição recebeu João Ubaldo Ribeiro, Lígia Fagundes Telles e  Zélia Gattai.
          Propôs um método crítico de base hermenêutica, teórica e filosófica. Sem inclinações para a interpretação da obra literária com base na inserção de autor e obra nos  períodos históricos, nem decorrente de gratuitas impressões sobre a massa do que foi escrito,   mas em função do estilo em que o autor se funda e marca sua obra  na expressividade da escrita, tanto na forma  como no conteúdo.  Esteve  à frente dos níveis usuais,  sendo o responsável pela introdução da análise estilística nas letras brasileiras. Filtrou os pressupostos, métodos  e ferramentas dos espanhóis Carlos Bousoño  e Dámaso Alonso, propondo  o julgamento como ato final na análise  literária   após a captura do fundamento  que transita  entre linguagem e uso da língua, responsável pela literariedade. Este fundamento é a visualização do entretexto.  Sua tese de doutorado foi  publicada sob o título Fundamento da Investigação Literária (1973), refundida em 1974. 
        Deixou um legado constituído de 23 obras e, entre elas, Dimensões I (1958), Dimensões II (1959), África colonos e cúmplices (1961), Literatura e realidade nacional (1963), Dimensões III (1965),  Teoria da comunicação literária (1970), Vanguarda e cultura de massa (1978) e A Sabedoria da Fábula (2011). Recebeu prêmios literários  e títulos honoríficos de muito prestígio, como Gran Cruz de la Orden del Mérito Civil, Madri (2001), Doutor Honoris-Causa, Universidade Federal da Bahia (1983), Gran-Cruz de la Orden Civil de Alfonso X, el Sabio, Madri (1980), Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco, Brasília (1979).   
     Aprendi muito com ele.  Acompanhou  minha carreira literária desde o nascimento, há cinqüenta anos. Prestigiava-me. Prefaciou meu livro Cancioneiro do Cacau, que me deu  quando inédito o Prêmio Nacional  de Poesia Ribeiro Couto da União  Brasileira de Escritores (Rio) e, quando   publicado,  o Segundo Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália,  o Terceiro Prêmio Nacional de Poesia Emílio Moura da Academia Mineira de Letras e foi finalista do Jabuti.
      É dele essa observação sobre o livro:
         “ Mas o seu poema  não irrompe de qualquer abalo sísmico, ou de qualquer intempérie facilmente previsível. Ele eclode da história revigorada, nasce do fundo do homem  e das coisas, da sua raiz em curso, da origem protegida  do menor sedentarismo... Cyro de Mattos se compraz em revalorizar a raiz, e reverenciar a origem, em reconhecer  o fundamento   radicalmente imune  ao fundamentalismo. O poeta enraizado e, no caso, porque enraizado, generoso, recorda para a frente.  Como quem retira dos filtros do passado,  e dos detectores de metais do presente, lições,  mesmo que enviesadas, para a construção do amanhã.” 
         Que melhor prêmio poderia receber autor e obra do que essa opinião do enorme ensaísta? Humanista, leal, elegante, sóbrio, companheiro, intelectual de primeira grandeza. A última vez que estive com ele, na Academia Brasileira de Letras, quando fui proferir  palestra sobre os mares trágicos de Adonias Filho, disse-me que estava escrevendo um livro sobre Adonias Filho e outro sobre Jorge Amado.                
         Baiano de Salvador,  nascido em 8 de outubro de 1932, Eduardo Portella passou desse plano terrestre para outra dimensão no  dia 2 de maio deste ano.


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