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terça-feira, 16 de maio de 2017

                                



                                     Mãe e Filho
                              
                                  Cyro de Mattos
             
           Nada era pior do que saber  que a mãe não  voltaria mais a andar. Ficava prostrada na cama, a doença arrancando-lhe o sorriso do rosto na pele sem cor. O momento de alívio era quando conseguia reconciliar o sono. Na rotina do medicamento, a  agulha furava a veia do pulso, por onde o soro era levado para reforçar o sangue enfraquecido no sistema de defesa do corpo.  O  irmão trazia para junto da cama o suporte de aço  quadripé com rodízios,  o soro no tubo pendurado no gancho, descia lentamente pela mangueira, gota a gota, seguindo para penetrar no corpo da mãe. O tempo enfadonho se repetia no corpo abatido, lambia os minutos demorados no quarto.   
        A moça que cuidava da mãe mudava seu corpo com cuidado para o outro lado. Limpava as feridas com algodão embebido na água oxigenada. Tentava atenuar as dores nas costas por ter o corpo permanecido tanto tempo na mesma posição. A mãe acordava gemendo, as costas queimando, os olhos umedecidos.
        Tentava consolá-la, não perdesse a fé em Deus, todos nós estávamos  esperançosos de que um dia ela voltasse a  andar com as suas pernas incansáveis,  os passos seguros, dando vida ao corpo.  Os dias voltariam ao ritmo  normal, sua voz esbanjando afeto pelo apartamento, de suas mãos,  até certo ponto divinas,   chegariam até à mesa  as comidas deliciosas para os filhos, doces e bolos com confeito,  como  ela gostava de fazer. 
         Como não lembrar os ensinamentos que na infância a mãe tanto lhe dera?
      “ Menino, já para dentro   Que vem o vento ventoso   Levado, levando cisco! Menino, já para  dentro! Boa romaria faz quem em sua casa está em paz. E essas  adivinhas: O que é,  o que é, o ano todo no deserto o mais quente é.  Responda certo, menino esperto. Como esquecer essa de pura carícia: Da noite o beijo. A melhor sombra de dia. Quem é? A  casa era pequena, mas em tudo os dias tinham  tuas mãos zelosas.  Colocavas nos vasos aquelas  rosas, como sonho na manhã perfumando esbanjavam pelos ares  ternura. Davam vida à máquina de costura tuas pernas ativas. Os bordados, beleza tecida,  sempre admirados por quem visse. Como o mundo de Deus era grandão. Dizias que  primeiro a obrigação, depois,  filho, é que vem a diversão.”
           Nada era pior do que saber  que a mãe não  voltaria mais a andar.  O tempo usurpava sem dó a beleza dela,  não havia revolta enquanto durava a agonia. O amor por ela dobrava porque o filho sabia disso.

  

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