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terça-feira, 30 de junho de 2015



FALTA DE POESIA E OUTRAS FALTAS
                                  RUY ESPINHEIRA FILHO
         De vez em quando o Brasil se toma especialmente de amores pela falta de qualidade, e 2014 foi um dos anos que mais se destacaram neste aspecto. No caso da poesia, por exemplo, foi fenomenal. Entenda-se: no caso da falsa poesia – e até, com brilhantismo, da não-poesia. Não vou citar nomes, não é necessário, quem acompanha o movimento editorial sabe do que estou falando. Sim, porque todas as livrarias do país receberam e expuseram em destaque essa infame mercadoria.
            Belos e vastos volumes, precedidos de muita propagada e aparato “crítico”. Ponho esta palavra entre aspas porque é o que ela, no caso, merece. Aliás, o que há no país é ruindade crítica, tanto na mídia quanto nas produções universitárias. Quando não é ruindade por falta de talento, é ruindade por falta de caráter – que forma igrejinhas, máfias e similares, nas quais vigora o elogio recíproco de seus componentes.
            A crítica, na verdade, mesmo a melhor, sempre deixa algo a desejar. Certa vez escreveu Jorge Luís Borges: “Sempre que folheava livros de estética, tinha a desconfortável sensação de estar lendo as obras de astrônomos que nunca contemplavam as estrelas. Quero dizer, eles escreviam sobre poesia como se a poesia fosse uma tarefa, e não o que é em realidade: uma paixão e um prazer.” Lendo isto, percebi,  aliviado, que havia lido bem minhas estéticas – sempre achando que ficavam distante da arte. Aliás, lembro-me agora de que Rilke dizia que nada está mais distante da poesia do que a crítica.
            E, no caso das tais publicações de 2014, essas “tarefas” foram particularmente infelizes. Os que não percebem que a poesia é uma paixão e um prazer aproveitaram-se para babar suas tolices recheadas de citações falsamente eruditas (porque, como não chegavam à poesia, igualmente não chegavam ao verdadeiro sentido daquilo que tanto citavam). E aqueles falsos poetas – e até não-poetas – foram atirados aos berros aos mais influenciáveis, que os compraram aos milhares. E, claro, se tornaram leitores ainda piores.
            Crítica boa existe, mas não tem espaço. Se a jogada é vender subliteratura, para que estragar o negócio expondo-o à boa crítica? Citei Borges, vejamos Paul Valéry: “Entre esses homens sem grande apetite de poesia, que não sentem necessidade dela e que não a teriam inventado, quer a má sorte que se inclua um grande número daqueles cujo fardo ou destino é julgá-la, discorrer sobre ela, estimular e cultivar o gosto por ela; e, em suma, conceder o que não têm. Frequentemente, eles dedicam a isso toda sua inteligência e todo seu zelo: o que nos faz temer pelas consequências.”
            Não há como não lembrar Borges e Valéry ao ler certas coisas que vemos na imprensa, assim como certos estudos universitários. Porque o que se dá de equívoco, de incompatibilidade com a poesia, não é brincadeira. E, assim, a poesia digna deste nome, produzida por poetas verdadeiros, é marginalizada, esquecida. E surgem nomes badaladíssimos que na verdade são, em termos de poesia, autêntica escória. Resta-nos esperar que o presente ano não nos traga tal tsunami de “poesia” e péssima e abominável “crítica”. Porque já nos basta todo o resto que é tão desonesto, ai de nós!...
           

·        Ruy Espinheira é um poeta dono de um lirismo que encanta e dá prazer em ser lido.  Doutor em Letras, cronista, ensaísta, contista, romancista, membro  da Academia de Letras da Bahia.  Premiado em concursos de expressão nacional. Com As sombras luminosas venceu o Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa, da Fundação Catarinense de Cultura. E com Memória da chuva conquistou o Prêmio Nacional de Poesia Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores (Rio).  

quarta-feira, 17 de junho de 2015



Meu São João

     Cyro de Mattos


Não queria ficar olhando os outros meninos soltando fogos no São João, lá em nossa rua ou em qualquer canto da cidade. Teria que arranjar uma maneira de ganhar algum dinheiro para comprar os fogos. Pensei em vender revistas e jornais velhos aos donos de armazém na Rua da Lama. Sabia que jornal velho servia para enrolar certas coisas que os donos de armazém vendiam. Tinha observado um dia seu Júlio Sergipano enrolando sabão no balcão do armazém com uma folha de jornal velho. Pensei também em vender garrafas ao dono de uma pequena fábrica de vinagre perto da nossa casa.
Ia de casa em casa, procurando por jornais e revistas velhos, garrafas grandes e pequenas. Com o dinheiro que ganhava, vendendo garrafa, revistas e jornais velhos, ia comprando os fogos para soltar no São João. Guardava-os numa caixa de sapato, que escondia debaixo da cama para que meu pai não os descobrisse.  Se ele descobrisse que eu estava comprando fogos para soltar no São João, certamente ia argumentar zangado:
- Do menino se faz o homem, tenha juízo. Guarde seu dinheiro para usar com as coisas sérias e não para queimá-lo com fogos no São João. É uma grande besteira o que você quer fazer, muitas vezes já lhe disse isso. Finalizava: - Soltar fogos é queimar dinheiro.
Esperava meu pai dormir no quarto ao lado e, quando percebia que ele estava ferrado no sono, apanhava debaixo da cama a caixa de sapato com os fogos que vinha juntando para soltar no São João. Ficava examinando pacientemente os fogos que tinha comprado com dificuldade. Passava e repassava-os diante de meus olhos encantados, mesmo sabendo que ainda eram poucos: chuva de prata, chuva de ouro, cobrinha, estrelinha, fósforo de cor, traques e vulcão.
Os dias demoravam de passar até chegar o mês de São João, embora desejasse que voassem o mais rápido possível. De vez em quando ia olhar na folhinha quantos dias faltavam para chegar o dia tão esperado.  Fazia as contas e via que faltavam quase três meses para a chegada da festa do santo que tinha um carneirinho, como uma vez tinha visto a imagem no quadro emoldurado da Vidraçaria Santo Antonio, pendurado na parede.
Quando percebi no mês de maio que não estava mais conseguindo garrafas para vender, nem revistas e jornais velhos, chegou-me aquela ideia de vender minhas revistas em quadrinhos, além dos dois álbuns de figurinhas, um com os jogadores de futebol dos times do Rio e o outro com os artistas do cinema americano.
Não seria difícil vender meus álbuns de figurinhas entre os meninos lá da rua. Tanto o álbum de jogadores de futebol como o de artistas de cinema eram cobiçados por muitos meninos da cidade. Ambos estavam completos,  tinha conseguido preenchê-los com as figurinhas mais difíceis, que ainda faltavam. E as revistas em quadrinhos? Tinha  minhas dúvidas se ia conseguir vender algumas delas, qualquer menino lá da rua já havia lido todas elas.
Depois de resistir uns dias, vendi os dois álbuns de figurinhas ao filho do juiz por um bom preço. E, sem esperança, fui vender depois minhas revistas em quadrinhos no passeio do Cine Itabuna. Para a minha satisfação, vendi todas elas nos quatro domingos do mês de maio. Espalhados no passeio do cinema,  sempre vendia meus gibis e guris velhos aos outros meninos antes de começar a primeira sessão da matinê.
Tive então um susto esplêndido quando chegou o mês de junho e percebi que possuía agora seis caixas de sapato cheias de fogos, podendo naquele ano de inverno frio soltá-los  nos dias de São João e em São Pedro.
Enquanto fui menino nunca deixei de soltar fogos no São João e São Pedro. Sempre dava um jeito para arranjar o dinheiro e  comprar os fogos. Soltava-os e queria soltar mais. Nunca estava satisfeito. Lá pras nove horas da noite  lembrava de ir com a turma de amigos soltar balõezinhos na beira do rio. Era uma sensação de vitória quando acendíamos  o balão e víamos o vento levá-lo vagaroso acima do rio. Tínhamos certeza que os balõezinhos que subiam, às vezes oscilando, conquistavam as estrelas e a lua, lá no alto do céu.
Ah, aquelas noites de junho, o coração tanto queria. Crepitavam dentro de mim antes que chegassem com as fogueiras acesas nas ruas. Pipocavam com bombas e foguetes. Esbanjavam com licor e canjica.

domingo, 14 de junho de 2015



                         O Que Sou  

                              Cyro de Mattos 


             Nasci em Itabuna, sul da Bahia. Naquela cidade com cerca de trinta mil habitantes, em uma região outrora rica com suas plantações de cacau, tive uma infância diferente de hoje na qual os jogos eletrônicos transmitem o prazer decorrente de automação da máquina no tempo computadorizado. No meu tempo de menino, os momentos de prazer de cada  aventura eram vividos por mim mesmo com  meus queridos amigos. Éramos criadores, produtores e atores de nossas diversões no palco da vida. Roubar fruta madura no quintal do  vizinho, jogar futebol em  campinhos improvisados nos terrenos baldios, brincar de mocinho e bandido com balas de mamona na atiradeira, disputar quem tinha mais fôlego quando   mergulhávamos no rio de águas claras rendiam  sustos esplêndidos na aventura de cada dia. Foi naquela cidade com estações temperadas de sol e chuva que   tive a primeira escola, a primeira comunhão,  a primeira namorada, o primeiro carnaval, a primeira gravata, o primeiro banho de rio, o primeiro São João. Joguei a primeira partida de futebol com os  meninos da rua onde morava.
          Fiz o curso primário em minha cidade natal. Minhas primeiras leituras foram em revistas de quadrinhos, os meninos de meu tempo chamavam de gibi e guri. Nem sabia que com meus heróis inesquecíveis, Mandrake, Homem-Morcego, Tarzan, Capitão Marvel, Super-Homem, Tocha Humana, O Fantasma, Flash Gordon,  Príncipe Submarino, Durango Kid e outros – estava entrando na morada dos sonhos para nunca mais sair.  Os primeiros livros que  li foram da coleção O tesouro da juventude, de Júlio Verne; a seguir alguns de Edgard Allan Poe, Charles Dickens e Monteiro Lobato.
            O menino do interior foi para Salvador,   como o pai queria,  para se tornar advogado. Na cidade de todos os santos e orixás, concluí o curso ginasial  no Colégio Nossa Senhora da Vitória, dos Irmãos Maristas.  Fiz o curso clássico no Colégio Estadual da Bahia (Central). Tive nessa fase as descobertas de Machado de Assis, Camões, Euclides da Cunha, Eça de Queiroz, Lima Barreto, Kafka, Hemingway, Sartre e de outros autores importantes.              
          O meu primeiro conto, “A Corrida”, eu publiquei quando cursava a Faculdade de Direito, em 1959. Saiu no suplemento literário do Jornal da Bahia, dirigido por meu amigo, colega de faculdade e companheiro de geração,  João Ubaldo Ribeiro, que depois viria ser um romancista de fôlego nas letras brasileiras.  De leitor passava pela primeira vez para autor de uma história.  A sensação dessa passagem foi de pura alegria. Não parei mais de andar nesse caminho de dar palavra ao sonho.
          Anos mais tarde, publiquei volumes de contos e novelas, até que  migrei da prosa para a poesia. De repente, de uns anos para cá surgiu de dentro de mim aquele menino franzino e esperto, pedindo que escrevesse também para crianças. Tenho grande prazer quando escrevo para o leitor infantil e juvenil. Quero que esse menino escritor para outros meninos leitores nunca mais se afaste de meu pequeno coração,  que um dia foi trancado na alma com pedaços de infância pelo mundo dos homens. E assim as coisas passaram a ter o gosto de uma fruta que acaba. Fiz até um poema em que falo disso, e que está em um dos meus livros inéditos,  “A Poesia É Um Mar - Venha Comigo Navegar”.
         Mostro agora esse poema para vocês.   A Estrelinha - Achei uma estrelinha/ Que caiu no mar/ E veio dar na praia./ Perguntei pra ela:/ - O que vale mais,/Brilhar no céu/ Ou no vaivém das ondas?/ Ela então respondeu:/ - O mundo me encanta/ Quando brilho lá dentro/ E nunca se apaga/ Seu coração de criança.

sexta-feira, 5 de junho de 2015



Dicionário de Escritores Contemporâneos
 da Bahia Será Lançado na Biblioteca  Pública  

Com o apoio da União Baiana de Escritores - UBESC e o Círculo de Estudo, Pensamento e Ação – CEPA, será lançado no dia 12 de junho (sexta-feira), às 18h, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia (Salão Nobre Kátia Mattoso), nos Barris, em Salvador, o “Dicionário de Escritores Contemporâneos da Bahia”, organizado por Carlos Souza Yeshua, que apresenta 206 verbetes de autores baianos. A obra é publicada pela Editora CEPA e tem prefácio do professor Germano Machado.
O trabalho de catalogação e preparação das notas biobibliográficas durou aproximadamente dois anos e, embora não registre todos os artistas da palavra em atividade no estado, nomes importantes do cenário literário figuram  em suas páginas, como Antônio Torres (Academia Brasileira de Letras); Aleilton Fonseca, Antônio Brasileiro, Aramis Ribeiro Costa, Carlos Ribeiro, Florisvaldo Mattos, Ruy Espinheira Filho, Cyro de Mattos (Academia de Letras da Bahia); José Inácio Vieira de Melo, Adelice Souza, Állex Leilla, César Romero e José Carlos Limeira.
Os escritores Cyro de Mattos, Aramis Ribeiro Costa e Aleilton Fonseca  pertencem também à Academia de Letras de Itabuna (ALITA).

quinta-feira, 4 de junho de 2015



Livros de Cyro de Mattos
No Catálogo Digital da EDITUS



Ao lado das edições de livros impressos escritos pelos  professores da Universidade Estadual de Santa Cruz e autores regionais, a  EDITUS,  editora da instituição, vem adotando a política das publicações de obras em forma digital, atendendo com isso  aos tempos atuais, que se apresentam velozes com base em uma tecnologia moderna, de natureza  internética.
Ao lado de títulos dos diversos campos de conhecimento, os livros do escritor Cyro de Mattos que estão no catálogo digital da Editus são os seguintes:   O Triunfo de Sosígenes Costa, coletânea, de parceria com Aleilton Fonseca, da Coleção Nordestina,  O conto em  vinte e cinco baianos, antologia,  da Coleção Nordestina, Berro de Fogo e Outras histórias, Prêmio Vania Souto  Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras,  A Casa Verde e Outros Poemas, português-inglês, com tradução de Luiz Angélico, professor Emérito da UFBA, ilustrações de Ângelo Roberto,  e Histórias Dispersas de Adonias Filho, coletânea, ilustrações de Ângelo Roberto.
Para a leitura dos livros, acesse  WWW.uesc.br/editora