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terça-feira, 19 de maio de 2015



O Voo de Telmo Padilha

              Cyro de Mattos


Telmo Padilha nasceu em Ferradas, em  5 de maio de 1930,  quando a vila era um distrito do município de Itabuna, no sul da Bahia. Faleceu em 17 de julho de 1977, em acidente automobilístico. Iniciou-se no jornalismo em Itabuna, teve  passagem na imprensa do Rio de Janeiro, na década de 50, e de retorno à terra natal  ingressou na CEPLAC, órgão de assistência e defesa da lavoura cacaueira. Estreou com  Girassol de Espanto (1956) e deixou inúmeros  livros de poesia, com destaque para  Onde tombam os pássaros (1974), Canto rouco (1977), Voo absoluto” (1977), Prêmio Nacional de Poesia do Instituto Nacional do Livro, Travessia (1979), O Punhal no escuro (1980) e Noite contra noite (1980).
Está presente em antologias no Brasil e exterior. Tem livros de poesia publicados na Inglaterra, Japão, Itália, Suíça e Uruguai. De sua poesia, disse Manuel Bandeira que “é rica de símbolos e metáforas”, enquanto Carlos Drummond de Andrade observou que  “ se faz sentir e amar pela concentração e o poder de síntese.”  Adonias Filho destaca que “os valores constantes são humanos e, em conseqüência, universais e eternos: a morte, o medo, o tempo, o nada, a memória. Circunscrita a esses valores, invulnerável a qualquer exterioridade, a poesia de Telmo Padilha pode converter-se  em um marco que congregue  toda a sua geração.”
Encontra-se na poesia de Telmo Padilha a constituição de um discurso reflexivo, que informa  proposições doloridas na clave das indagações existenciais.  Perguntas sem resposta que se manifestam sobre essa difícil e enigmática travessia, exposta aos olhos como difícil de aceitar, com sua problemática impregnada da vida,   morte, solidão,  incomunicabilidade, infância sem retorno,  enfim, a criatura humana cercada de angústia em função de circunstâncias matizadas pela  fugacidade do tempo. Nessa  travessia que  aloja nos ouvidos  cantos roucos, nessa temática ritmada de absurdos,  o poeta procura sempre se mover dentro de atitudes críticas. Dessa atmosfera vertiginosa,   na aventura que comporta de abismos e enigmas, pobreza, sofrimento, insônia, o autor de Onde tombam os pássaros consegue, numa expressão límpida, aparentemente fácil de ser compreendida, um dos momentos mais significativos da poesia contemporânea brasileira. É esse poder de tocar nos seres e coisas,  retirar sensibilidades e reflexões,  densidade na compulsão e riqueza na  profundidade da metáfora, que faz de Telmo Padilha um  poeta   com todas as essencialidades de que são dotados os bons poetas
            Em Agudo mundo, livro de poemas, inédito,  digo de poetas que ressoam suas  leituras da vida dentro de mim, com as marcas da solidão. Drummond, Eliot, Rafael Alberti, Garcia Lorca, o peruano Alfredo Pérez Alencart, Camões, o espanhol Fray Luís de León e o português Antonio Salvado são alguns desses poetas que homenageio  no meu livro.  Como poeta de minha admiração, Telmo Padilha está entre eles.  Transcrevo agora o poema que dediquei a esse poeta que ultrapassou as fronteiras regionais.  “Momento de Telmo Padilha -   Ah, Telmo Padilha/ Fale-me que sem a poesia/ o sol não pinta os desertos/ Com as cores da manhã./ O dia não entardece/ Nos braços do ocaso./ Com a razão e a emoção/ Não se estende a palavra/ Pelo vazio do vasto mundo./ A vida é mais pobre/ Sem esse canto agudo/ que em ti é feito exausto/ Como vamos perceber/ Teus passos de agonia, / que ao vento estremecem/ e te escutas nos desvãos?/ Ah, Telmo Padilha/ Fale-me de tua cidade, / A nossa querida Itabuna,/ De todos nós em teu grito,/ De Hélio, Valdelice,/ Firmino, Florisvaldo, / Cada um no seu canto/ Remoendo o seu tanto/  Fale-me dessas ruas,/ De fato não são ruas, /É uma mesma rua /Que começa solitária/ E termina solitária /  Nas vestes de teu ódio,/ Medos e incertezas/  Conquanto seja abrigo,/ Música cortante  da paixão./ No teu dia cor de sombras/ Só podemos amar com dor,/ na forma autêntica da dor/ Onde há setembros/ Que vêm e somem/ Sem saber para onde vão./ Fale-me de teu voo/ Nessa viagem duvidosa/ Que nos oprime de aflição.

Posse da nova Diretoria da Academia de Letras de Itabuna



Membros da Academia de Letra de Itabuna na Cerimônia de Posse da Nova Diretoria no dia 15 de maio do ano de 2015.



sexta-feira, 15 de maio de 2015

Lançamento do livro A CASA VERDE- de Cyro de Mattos




O livro A casa verde  e outros poemas, de Cyro de Mattos, com tradução para o inglês do  Professor Emérito Doutor Luiz Angélico, compõe-se de duas partes, como o próprio título indica. No primeiro momento,  o poeta baiano  Cyro de Mattos inspira-se na Casa Verde, que serviu   de residência  a Henrique Alves dos Reis (1861-1942), coronel do cacau, e sua esposa, dona  Cordolina Loup dos Reis, a filha Elvira e o genro Miguel Moreira, que foi prefeito de Itabuna. Com versos despojados, de lirismo puro.
          
O premiado poeta baiano (de Itabuna) faz uma viagem no tempo perdido e busca recuperar sua alma através do diálogo que estabelece entre  a poesia e a memória, que é o lugar de onde emerge a história com as pessoas, fatos e coisas. Local de importantes decisões políticas do município,  reuniões sociais e festivas, a Casa Verde tornou-se cenário de luxo e requinte nos anos 30. Preserva até hoje em seu acervo  o passado da conquista e do domínio  dos coronéis do cacau. O  poeta recria com suficiência  um  tempo áureo da civilização cacaueira baiana,   sugerido pelas  peças e indumentárias dos séculos XIX e XX, pertencentes  à família de  Henrique Alves Reis.   

Em  cada coisa que toca,  em cada voz que escuta, no aroma que  flui nos cômodos,  na solidão de Dona Elvira,   que não teve o herdeiro para prosseguir o ciclo, usa os referenciais  como signos identificáveis  do homem e a vida. E filtra com densidade poética o mando e a  solidão,  o fausto e o triste,    o efêmero e o eterno onde tudo se esconde.  O segundo momento do livro é formado  pelos poemas “Canto a Nossa Senhora das Matas”, “Um Poema Todo Verde”, “Morcego”, “Boi”, “Galos”, “A Roda do Tempo”, “A Árvore e a Poesia”, “Passarinhos” e “Devastação” (I,II). São poemas de vibrante força telúrica, puros como o  chão de quem possui um modo próprio de fazer poesia universal  sem perder de vistas os muros da aldeia, ou seja, por meio de  seu  timbre nativo  da   origem  tornada linguagem, como bem sublinhou o crítico e poeta Ledo Ivo. 

Há que ressaltar em A casa verde e outros poemas  a tradução primorosa  para o inglês realizada pelo poeta, ensaísta e Professor Emérito Doutor Luiz Angélico. Homem erudito, simples e fraterno,  de uma atuação admirável como professor de inglês no curso de Letras da Universidade Federal da Bahia, tradutor renomado, sua tradução para a língua inglesa de  A casa verde e outros poemas é possivelmente um de seus últimos trabalhos no setor. O poeta Cyro de Mattos ao dedicar-lhe o livro não só celebra a amizade e o apreço  que tinha por ele mas presta justa homenagem a quem tanto se dedicou ao ensino do  inglês na UFBA e à arte da tradução, desvendando com competência  seus limites e modos  para que  muitos  possam conhecer a linguagem de outros povos,  com sua alma, seus costumes, seu cotidiano, suas dores e sonhos.  

terça-feira, 5 de maio de 2015

No Tempo das Marinetes

                  Cyro de Mattos

Ilhéus. Banco da Vitória. Fazenda Cordilheira. Primavera. Rio Cachoeira. Itabuna. Pela janela você via bando de periquitos seguindo no domingo azul em direção às serras, no outro lado do rio Cachoeira.
Cacaueiros passando. Apinhados de fruto maduro nos galhos.   Seguia perto de uma das margens do rio. Perigo à vista, curva fechada. Jaqueiras. Mangueiras. Eucaliptos. Marinete era o nome. Viagem demorada. Rotineira. Fazia barulho. Rangia,  meu Deus,  aos solavancos...
Pirangi. Banco Central. Pedrinhas. Dois Irmãos. Mundo Novo. Serras azuis. A mata escura com as árvores nativas, muita madeira de lei.  Maçaranduba. Jacarandá. Vinhático. Putumuju. Claraiba. Jequitibá. Cedro.  Pequi. Louro. Baraúna. Bicho nas copas. Bicho no oco do pau. Bicho de carreira. Anos atrás esturro de onça.
Casas de fazenda. Gente no terreiro. Barcaça aberta secando o cacau. Água de córrego. Animais pastando. Ribeirão forte. Pancada formosa. Praga no buraco, raiva cuspida. Rostos suados. Os passageiros com a língua de fora.
             Ferradas. Itapé.  Barro Preto. Palestina. Ponto de Astério. Ibicuí. Iguaí. Nova Canaã. Mundo de pastagens. Marinete era o nome. Rota importante. Fazendeiros. Gente do mato. Comerciantes. Sacolejando. Parecia que ia partir em pedaços.
Na Curva-do-Boi não escapou um só cristão...
Bonito quando chegava, buzinando na entrada. Casinhas sujas. Espiando assustadas. Triunfo de chegada.
O correio. A bagagem. O jornal. A mala. Carregadores no tumulto. O “13” era o preto Domingos,  alto, tinha um vozeirão. . O “12” era o Felizardo. O “15” um capenga. O “16”, branquelo e desdentado. O “2” cobrava um cruzado. Meninos mercando. Rolete. Cocada. Cordas de caju. Cordas de caranguejo. Beiju de Água Branca. A preta velha vendia  mugunzá e mingau de tapioca em dois caldeirões..
O céu de teto preto. Depressão. Atoleiro. Mais curva. Despenhadeiro. Ladeira escorregando.
Macuco. São José. Pratas. Rio Branco. Panelinha. Camacã. Santa Luzia. Canavieiras. O motorista botava fogo pelas narinas. Passageiro enfezado. Passageiro rezando. Condutor equilibrista  aguentando os tombos. Marinete era o nome.
Pontilhão. Ponte. Descendo a serra. Cruzando o vale. Subindo o verde. Alegria dos lugarejos. Modo de acontecer o dia na alma das cidadezinhas.
Religiosamente.
A estrada sinuosa. Com poeira ou lama.
              A marinete era um velho ônibus de cadeira dura. Percorria várias linhas na estrada de barro esburacada, sem sinalização, estreita, que interligavam as cidades próximas e distantes no Sul da Bahia. O nome marinete está associado ao poeta italiano futurista Marinetti. Foi uma novidade quando os ônibus foram lançados em Salvador como meio de transporte urbano. Os transportes usados à época pela população eram os bondes, que corriam sobre trilhos. O poeta italiano  Marinetti passou em Salvador e fez palestra sobre a poesia futurista, que se expressava com uma linguagem livre, nova, veloz, correspondendo aos novos tempos alimentados pela indústria, energia elétrica e novas descobertas. Como os ônibus eram uma novidade que tinha a ver  com o futuro, o progresso, o povo associou esse novo meio de transporte ao poeta italiano futurista. 
     As marinetes pertenciam à empresa Companhia Viação Sul Baiano cuja sigla era SULBA. Circularam no Sul da Bahia durante o apogeu da lavoura cacaueira. Um dia, um gaiato dirigiu-se a um homem que estava prestes a embarcar na marinete e, fazendo alusão à sigla da empresa, disse com a voz firme:
                 “SUBA!”
                  Finalizou com o rosto sério e os olhos arregalados:
                 “Se vai descer, só Deus sabe.”

sexta-feira, 1 de maio de 2015

A ESQUECIDA JACINTA PASSOS


Escritora nascida em Cruz das Almas, Bahia, em 1914, Jacinta Passos foi autora de quatro livros de poemas — Momentos de poesia (1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1958) —, elogiados por críticos do porte de Antonio Candido, Mário de Andrade, Aníbal Machado e Roger Bastide, entre outros. Seu livro mais importante, Canção da partida, foi ilustrado pelo artista Lasar Segall.

Jacinta tornou-se uma das mais ativas jornalistas da Bahia na década de 40,escrevendo sobre os assuntos que mais a interessavam, pelos quais lutava: política, transformações sociais e posição da mulher na sociedade. Colaborou também com jornais e revistas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Militante do Partido Comunista Brasileiro de 1945 até a morte, em 1973, dedicou grande parte da vida ao trabalho penoso, clandestino e cotidiano de luta por um Brasil menos injusto.

Jacinta Passos foi casada com o escritor e jornalista James Amado, com quem teve uma filha, Janaína. A partir de 1951, sofreu crises nervosas periódicas, com delírios persecutórios, tendo recebido o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, doença considerada progressiva e incurável. Apesar de internada em diversos sanatórios, jamais deixou de escrever, tanto poesia quanto prosa. Sua obra poética, fundada nas tradições populares da Bahia, contém fortes componentes líricos e apelo ao público contemporâneo, mas permanece pouco conhecida, pois seus livros, publicados por editoras de pequeno porte, tiveram tiragens muito reduzidas, sendo que apenas um deles, Canção da partida, foi reeditado, isso em 1990.

Ao lado do projeto de publicação da obra completa da escritora, incluindo a parte inédita, um site oficial foi  criado com vistas a tirar da obscuridade a obra e a trajetória de uma das mais originais escritoras do seu tempo, colocando-a no lugar onde deve estar, ao alcance do público, para que possa ser conhecida, estudada, discutida, admirada.

[ PASSOS, Jacinta ] Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica.  Org. Janaína Amado.  Prefácio José Mindlin.  Salvador: EDUFBA; Corrupio, 2010.   673 p.  19,5x27 cm.  ISBN 978-85-232-0683-3  Projeto gráfico e capa: Angela Garcia Rosa. Inclui fotografias da vida da poeta oriundas de diversos acervos.  Inclui poemas inéditos e dos livros publicados pela autora: Momentos de poesia, Canção de partida, Poemas políticos, A Coluna [  Prestes ].  Reproduz os desenhos de Lasar Segall  que ilustraram a obra “Canção da Partida”.  Col. A.M.