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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

LIVROS QUE TODO MUNDO ELOGIA MAS NINGUÉM LÊ ou ODEIO PROUST



Existem livros que todos louvam mas ninguém (exceto uns poucos especialistas e estudiosos) lê. Refiro-me ao Ulisses do Joyce e ao Grande Sertão, Veredas do Rosa. Se você lê o primeiro parágrafo já desiste. Ei-lo:

Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.

Meu pai, que tinha uma biblioteca umas três vezes maior que a minha (e olha que a minha já é grandinha) e que até no hospital onde veio a falecer estava lendo um livro (um tijolão, uma história de Berlim, em inglês), disse que tentou ler o Ulisses várias vezes — no original, em sua língua natal, o alemão, na tradução brasileira do Houaiss — mas nunca conseguiu. Se ele não conseguiu, quem sou eu para sequer tentar?

Outro autor "difícil" é o Proust. Ou bem você adora, ou bem você odeia. O Nava adorava. Eu adoro o Nava. Portanto, por uma lógica aristotélica, eu deveria adorar. Nos meus vinte anos, quando eu devorava toda sorte de literatura (o Eça, o Machado) um professor de economia da Fundação Getúlio Vargas que conheci (depois foi parar em Londres) disse que para ler Proust você tinha que ter trinta anos. Assim, esperei. Cheguei aos trinta, quarenta, cinquenta, sessenta.

Em viagem recente a Paris, saboreei umas madalenas. No Parc de Bagatelle minha mulher observou que Swann (no filme) ia lá. Foi o suficiente para que eu decidisse que chegou a hora de ler Proust.

Escolhi a clássica tradução do Quintana (a do Py será melhor?) O primeiro volume ainda consegui traçar. Criei até um verbete correspondente na Wikipedia, traduzido do verbete francês. Você pode ir lá ver.

Do segundo volume, sobre as “raparigas em flor” (que o Py moderniza para "moças"), consegui transpor três quartos. Pico Ayer compara a leitura de Proust a uma "revelação" budista. Flerto com o budismo desde os anos noventa do século passado mas não consegui ver o que tem o cu (o Proust) a ver com as calças (a revelação).

Fala sério, depois de esbarrar com uma passagem como a que se segue dá para continuar lendo o livro?

Sem dúvida, naqueles anos ainda tão pouco afastados, não era à visão do grupo, como na véspera em seu primeiro aparecimento ante mim, mas ao próprio grupo que faltava nitidez. Então, aquelas crianças demasiado pequenas estavam nesse grau elementar de formação em que a personalidade ainda não apôs o seu selo em cada rosto. Como esses organismos primitivos em que o indivíduo praticamente não existe por si mesmo e é antes constituído pelo polipeiro que pelos pólipos que o compõem, permaneciam elas comprimidas umas contra as outras. Às vezes, uma derrubava a sua vizinha, e então um riso louco, que parecia a única manifestação de sua vida pessoal, as agitava a todas ao mesmo tempo, apagando, confundindo aqueles rostos indecisos e careteantes na gelatina de um único cacho cintilante e trêmulo. Numa fotografia antiga que deviam dar-me um dia, e que conservei, o seu bando infantil já oferece o mesmo grupo de figurantes que mais tarde o seu cortejo feminino; sente-se ali que já deviam produzir na praia certa mancha singular que obrigava a olhar para elas; mas ali não se pode reconhecê-las individualmente senão por intermédio do raciocínio, deixando o campo livre a todas as transformação possíveis durante a juventude até o limite em que essas formas reconstituídas fossem dar numa outra individualidade que é preciso também identificar e cujo belo rosto, devido à concomitância de uma estrutura elevada e cabelos crespos, tem possibilidade de haver sido outrora essa redução de careta mirrada que o retrato apresenta. [...]

EU DESISTI.

Proust é louvado por uma suposta sacação que praticamente virou uma “teoria psicológica”, a teoria da memória involuntária: especificamente, um belo dia ele come uma madalena e aí todo um trecho de sua infância que jazia soterrado na inconsciência volta à tona. Mas, vamos e venhamos, fora o Proust alguma outra pessoa alguma vez conseguiu se recordar de uma infância inteira só porque comeu uma coisinha, ou sentiu um cheirinho? Uma teoria tem que ser universal, aplicável a todos.

O que há de "errado" no texto de Proust? A sintaxe arcaizante (conquanto seja um escritor inaugurador da modernidade literária francesa, suponho), com suas frases tipo "alemão" que quando terminam você já esqueceu o começo? Não necessariamente. O Saramago tem uma sintaxe estranha e é genial. O problema é a overdose de “prosa poética”, a, digamos, “masturbação mental”, a divagação (o fluxo de consciência para usar o termo técnico) levada aos píncaros. Haja paciência! Ninguém merece!

Tem trechos inteiros que você lê, lê, e depois se pergunta “o que foi que acabei de ler?” e não sabe. Você leu uma “sopa de palavras”.

Estou exagerando? Então tente. Depois me conte.


Adoro Dickens. Adoro Machado. Adoro Balzac. Adoro Mann. Adoro Eça. Mas quer saber? ODEIO PROUST.



Fonte: Literatura & Rio de Janeiro, blog de Ivokory

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Escritor Cyro de Mattos Participará do Seminário de Cordel, Midias e Cultura Popular na UESC dia 26

 
 
O escritor Cyro de Mattos estará participando no dia 26, a partir das 8,30 horas, do Seminário de Cordel, Mídias e Cultura Popular, na Universidade Estadual de Santa Cruz, auditório do DCET, evento que é promovido pelos alunos do oitavo Curso de Letras, sob a coordenação da Professora Doutora Reheniglei Rehem.

O escritor e poeta Cyro de Mattos abrirá o seminário com a palestra “O Trovador Minelvino ou Do jeito que o povo gosta”. O Seminário contará ainda com a participação de  Guilherme Almeida, Marcelo Pires, professores da UESC, Ana Maria Rocha, do CISO, e da cordelista Janete Lainha.  

Contista, poeta, cronista, romancista, autor de literatura infantojuvenil, com prêmios expressivos, no Brasil e exterior,  mais de 50 livros publicados, Cyro de Mattos tem livros pessoais editados em Portugal, Itália, França e Alemanha. Pertence às Academias de Letras da Bahia, de  Ilhéus e de  Itabuna (ALITA), Pen Clube do Brasil, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e Ordem do Mérito da Bahia, no grau de Comendador.

domingo, 16 de novembro de 2014

Viagem pela Escravidão



                               
                                                                                                               
           O Sul da Bahia vem se prestando ultimamente a estudos de historiadores, geógrafos, sociólogos e escritores conceituados, já se notando, nessa altura, uma bibliografia significativa, que preenche lacunas e amplia o conhecimento sobre a história da Bahia. A historiografia baiana sempre privilegiou Salvador e o Recôncavo com estudos históricos, sociais, de antropologia e culturais, não dando a importância merecida aos acontecimentos, fatos, episódios, capítulos e manifestações que marcaram o desenvolvimento de uma região rica com suas  características próprias.  
            Entre os estudos que abordam fatos históricos, sociais e culturais, contextualizados no sul da Bahia, cito aqui Os coronéis do cacau, de Gustavo Falcón, Bahia cacaueira: um estudo de história recente, de Angelina Rolim Garcez e Antonio Fernando Guerreiro de Freitas, Um lugar na história: a capitania e comarca de  Ilhéus antes   do cacau, de  Marcelo Henrique Dias e  Ângelo Alves Carrrara (organizadores),  A memória do feminino no candomblé,  Da porteira para fora: mundo de preto em terra de branco, Mexigã e o contexto da escravidão, de Ruy Póvoas.  Antes  da  publicação das obras mencionadas,  devemos considerar, como livros necessários aos que se interessam pelos assuntos da história regional,  Mato Virgem, do Príncipe Ferdinand Maximiliano von Habsburg,  tradução de Moema Augel, Crônica da Capitania de São Jorge dos Ilhéus, de Silva Campos, Sul da Bahia: chão de cacau, de Adonias Filho, e a antologia Memória de Ilhéus, organizada por Fernando Sales, reunindo textos históricos.
            Como estudo da Geografia Humana inserida na memória citadina, ressalte-se O centro da cidade de Itabuna: trajetória, signos e significados, de Lurdes Bertol Rocha. Esta autora, em A Região Cacaueira da Bahia – dos coronéis à vassoura-de-bruxa,  contribui para a  compreensão ampla de uma civilização  com sua maneira singular de vida, ocupando vasta área do território baiano.  A reflexão sobre as desigualdades sociais e culturais, o autoritarismo político, a capacidade e persistência dos que estão na parte inferior da sociedade, a impulsionar com dificuldades sua história, servem de argumento nos escritos de história social no sul da Bahia, reunidos  no livro Entre o fruto e o ouro, organizado por Philipe Murillo Santana de Carvalho e Erahsto Felício de Sousa.   
            O livro Viagem ao engenho de Santana (1), de Teresinha Marcis, é outro  estudo importante da história regional situada no sul da Bahia, resultando essa incursão, juntamente com um filme, de projeto elaborado pelo laboratório de História e Geografia da Universidade Estadual de Santa Cruz para as comemorações dos 500 Anos de Descobrimento do Brasil. Centrado no Engenho de Santana, localizado  no povoado do Rio de Engenho, sítio remanescente  dos mais importantes no  Brasil Colônia,  o estudo revela aspectos e eventos poucos conhecidos da formação histórica da Região Cacaueira. Reconstitui um passado que permaneceu ao longo dos anos numa nebulosa, em razão da carência de material e pesquisas sobre o assunto. 
            A estrutura de Viagem ao engenho de Santana obedece ao desenvolvimento cronológico dos acontecimentos, ligados direta ou indiretamente ao engenho. O estudo faz a abordagem da chegada dos colonizadores com  a ocupação das terras, o modelo de colonização adotado. Revela a relação entre colonos e nativos, a estratégia imposta para a dominação. Detecta a presença do elemento indígena, a descaracterização cultural, resistência, fugas e levantes. Destaca a transcrição de Mem de Sá sobre a Batalha dos Nadadores, na qual foi dizimada no mar uma grande quantidade de nativos.
            Prosseguindo na viagem em torno de um engenho de grande porte, pertencente a Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, que o implantou na capitania de São Jorge dos Ilhéus, em 1537, o estudo alcança o período em que  o referido sítio  foi propriedade dos padres jesuítas. Descreve a sua reconstituição no dia-a-dia com a presença dos escravos, sua histórica rebelião quando ocupavam  o engenho em 1789 e escreveram uma carta de reivindicação para negociar o retorno ao trabalho. O escravo apresenta-se neste documento como agente de resistência e transformador da história,  querendo ser menos objeto, buscando melhores condições de vida, não aceitando a exploração na prestação desumana de serviços. Vale lembrar que de mil escravos um sabia escrever  na época da escravatura como forma de propriedade e produção no Brasil.                            
            Movido a energia hidráulica, servindo de modelo aos fazendeiros regionais, que utilizavam extensa mão-de-obra escrava, a produção do Engenho de Santana chegava a 10 mil arrobas de açúcar anuais, comprovando-se dessa maneira um período de boa fase do produto na Capitania. O engenho representava uma verdadeira povoação. O local onde funcionou todo o complexo do engenho, com a casa de purgar e das moendas, a roda d’água, senzalas e outras instalações, constitui atualmente um pequeno povoado, habitado por famílias de gente humilde, trabalhadores rurais, pescadores, lavadeiras e aposentados. Permanece em bom estado de conservação a Igreja de Santana, uma das mais antigas do Brasil e que foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Bahia. Ruínas, histórias e lendas perduram no imaginário dos moradores, principalmente no que dizem respeito à existência da escravidão.
            Baseado em documentação criteriosa, com imagens que contribuem para ilustrar e enriquecer o texto, Viagem ao Engenho de Santana, de Teresinha Marcis, demonstra mais uma vez como Ilhéus tem a ver com o Brasil nascendo como nação. Frisa  a autora que a conclusão desse estudo apresenta-se como desafio a novas investigações, capazes de  aprofundar com outro olhar a leitura crítica dos acontecimentos ali registrados.


            1 – Viagem ao engenho de Santana, Teresinha Marcis, Editus, editora da UESC, Ilhéus, 86 páginas, 2000.


CARTA DE MEM DE SÁ AO REI DE PORTUGAL RELATANDO OS ACONTECIMENTOS QUE CULMINARAM COM A BATALHA DOS NADADORES

“Neste tempo veio recado ao governador como o gentio Tupiniquim da Capitania de Ilhéus se alevantava e tinha morto muitos cristãos e destruído e queimado todos os engenhos dos lugares e os moradores estão cercados e não comiam já senão laranjas e logo o pus em conselhos e posto que muitos eram que não fosse por ter poder para lhes resistir nem o poder do Imperador fui com pouco gente que me seguiu e na noite que entrei em Ilhéus fui a pé dar em uma aldeia que estava a sete léguas da vila em alto pequeno toda cercada de água ao redor de lagoas e as passamos com muito trabalho e antes da manhã de duas horas dei na aldeia e a destruí e matei todos os que quiseram resistir e a vinda vim queimando e destruindo todas as aldeias que ficaram atrás e porque o gentio se ajuntou e me veio seguindo ao longo da praia lhes fiz algumas ciladas e onde os cerquei e lhes foi forçado deitarem a nado no mar da costa brava. Mandei outros índios atrás deles e gente solta que os seguiram perto de duas léguas e lá no mar pelejaram de maneira que nenhum Tupiniquim ficou vivo, e todos trouxeram e os puseram ao longo da praia por ordem que tomavam os corpos perto de meia légua... ¨ (No livro ¨Viagem ao Engenho de Santana¨, transcrito de Varnhagen, 1956, Tomo I, p.315).

CARTA ESCRITA PELOS ESCRAVOS DO ENGENHO DE SANTANA

“Meu senhor, nós queremos paz e não queremos guerra; se meu senhor quiser paz, há de ser nessa conformidade, se quiser estar pelo que nós quisermos a saber.
Em cada semana nos há de dar os dias de sexta-feira e de Sábado para trabalharmos para nós não tirando um destes dias por causa de dia santo.
Para podermos viver nos há de dar rede, tarrafa e canoas.
Não nos há de obrigar a fazer camboas, nem a mariscar, e quando quiser fazer camboas e mariscar mandes os seus pretos Minas.
Para o seu sustento tenha lancha de pescaria ou canoas do alto, e quando quiser comer mariscos Mandes os seus pretos Minas.
Faça uma barca grande para quando for para a Bahia nós metermos as nossas cargas para não pagarmos frete.
Na planta da mandioca, os homens queremos que só tenham tarefa de duas mãos e meia e as mulheres de duas mãos.
A farinha há de ser de cinco alqueires rasos, pondo arrancadores bastantes para estes servirem de pendurarem os tapetes. A madeira que serrar com serra de mão, embaixo hão de serrar três, e um em cima. A medida de lenha há de ser como aqui se praticava, para cada medida um cortador, e uma mulher para carregadeira.
A tarefa de cana há de ser de cinco mãos e não de seis, e a dez canas em cada freixe.
No barco há de por quatro varas, e um para o leme, e um no leme puxa muito por nós.
Os marinheiros que andam na lancha além de camisa de baeta que se lhe dá, hão de ter gibão de baeta, e todo vestuário necessário.
Os atuais feitores não os queremos, faça eleição de outros com a nossa aprovação.
Nas moendas há de de por quatro moedeiras, e duas guindas e carcanha.
Em cada caldeira há de haver botador de fogo, e em cada terno de faixas o mesmo, e no dia d e Sábado há de haver remediavelmente peija no Engenho.
O Canavial do Jabirú o iremos aproveitar por esta vez, e depois há de ficar para pasto porque não podemos andar tirando canas por entre mangues.
Poderemos plantar nosso arroz onde quisermos e em qualquer brejo sem que para isso peçamos licença, e poderemos cada um tirar jacarandás ou qualquer pau sem darmos parte para isso.
A estar por todos os artigos acima, e conceder-se estar sempre de posse da ferramenta, estamos prontos para o servimos com dantes, porque não queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos.
Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos empeça e nem seja preciso licença.” ( No livro “Viagem ao Engenho de Santana”, transcrição do texto original in: REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e Conflito: A resistência negra no Brasil escravista, 1989).

Poemas do Negro





                                                                                Cyro de Mattos



                                         Candomblé

Preceito e respeito.
Se for de paz, entre.
Vamos conversar
Com os orixás.
Vamos dançar.
Vamos cantar.
Também se come
A comida de lá.
E se bebe aluá.
Fique sabendo
Da África sabores,
Ritos e cores.
Quem é do axé 
Não nega que é.








Abolição

     
Na zoeira do terreiro
Batucam que batucam
Tambores sem cambão.

Trepidam nesses punhos
O suor, a lágrima, o sangue
Nos rastros do negro fujão.

Todos batem nesse tambor,
Pode até não ser de fato
A tão esperada abolição.

Mas é o começo duma hora
Que se faz tão grandiosa
Como o verde na amplidão.

 África agora é uma só voz
Na esperança das manhãs
Sem o ferro do vilão.

  Ibejis
                                                                  
                                       A travessia de Iansã
                                       Com a sua espada afiada
                                       Na floresta desconhecida.

Suas queixas aos orixás
Pelo filho que lhe roubou
O rude vento assassino.

As graças do Orun,
Lá no reino de Oyó,
À guerreira destemida.

Ao invés de tristeza
O  milagre da alegria
Anunciado por borboletas.

Gente pobre bonita,
Pintura festiva da vida,
Tanto canto, tanta música.

Nos fios sem fim da poesia,
Com leveza na escrita,
Feita memória e fantasia.

A lenda de Ibejis
Da Nigéria à Bahia
É o que conta Edsoleda.

Preto Velho
Me ensinou,
Sim senhor,
Me ensinou,
Com sua figa,
Cachimbo e pó,
O seu patuá,
O canto manso
E fé maior.

Um abraço dado
De bom coração
É mesmo
Bom abrigo,
Uma bênção,
Uma salvação.

         
            Vovó Maria Conga
         
         Saia branca engomada,
         Pulseiras em cada braço,
         Figa de guiné. Miçangas.
         Filha de Nanã Burucu.
         Dos orixás das águas
         A mais velha Nanã é.
       
         Conhece os caminhos,
         Fala com os orixás
         Na língua vinda da África.
         Na dança bonita de ver
          Movimentos vagarosos
                            Como onda leve do mar.

Rezou a menina, baforou
Com o velho cachimbo.
Deu passes na testa.
Saiu um bicho medonho
Esgoelando-se. Pela janela
Fugiu numa nuvem escura.
Grande medo causou.  

Nem ligou. Cuspiu.
De contente sorriu.

Quá-quá-quá
Quá-quá-quá.

Vozes doces e quentes
 Das filhas cantando:

Cadê a sua pemba,
Cadê a sua guia,
Seu congado
Veio de longe,
Veio pra ficar
 Aqui na Bahia.

Cabelos brancos
Parecendo de  bucha.
Olhos miúdos e negros.
Sua voz aconselhando:

Vovó não quer casca
 de coco no terreiro
pra não lembrar
do cativeiro.

Suas filhas dançando
Numa ciranda branca.
Repetindo a cantiga
Que ela mais gosta.

Quá-quá-quá
Quá-quá-quá
Chega vovó,
Chega vovó

Pra dar sua bênção,
Sua cura, seu axé,
Seu passe, sua flor
Que só vovó sabe dar.