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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

 

Amado Menino de Belém

Cyro de Mattos

           

  Contam que nasceu numa manjedoura, em Belém, o berço era de palha. Foi anunciado por uma estrela, no céu toda acesa de Deus. Os bichos cantaram: Jesus nasceu! Jesus nasceu! Os pastores tocavam uma música serena nas suas doces flautas. São José, o pai, o que tinha mãos habilidosas no manejo de enxó, plaina e formão, soube que de agora em diante ia talhar a mais pura fé do seu constante coração. A Virgem Maria, mãe do menino, dizia baixinho: Pobrezinho quando for um homem, de tanto nos amar, vai morrer na cruz.

     

Os três reis magos foram chegando, vieram de longe, muito longe, atravessaram montanhas e desertos. Traziam, como presente para o menino, mirra, incenso e ouro. Ajoelharam-se, sabiam que não eram dignos de tocar naquela palha. Bastava agora que fizessem o bem ao próximo e seriam alçados aos céus no final de suas vidas.  Abelhas com os seus zumbidos de ouro vieram colocar afeto e mel no coração de cada um dos reis.

   

Contam mais que foi um menino que brincava como qualquer menino. Gostava de ficar sozinho, mirando a linha do horizonte.  Quando ficou rapaz, não teve dúvida, havia sido o escolhido pelo Pai entre os humanos para ultrapassar aquela linha no horizonte.  Para conseguir a façanha teria que fazer uma mágica em que disseminasse uma rosa na manjedoura dos ares. Juntar todas as mãos numa só mesa onde todos seriam irmãos.

    

Teve que trazer as sementes dadas pelo Pai para plantar cirandas nas areias do deserto. E assim, em cada ciranda que fazia entre os sofredores do ver e do viver, os sentimentos daquele homem humilde, com ares de   profeta, correram nas águas doces do rio, seguiram no vento manso, que soprou a flor sozinha na plantinha do brejo. E foram levados pela borboleta até o lugar onde o amor sempre permanece, fazendo morada nas asas da ternura.

     

Acharam que sua mensagem batia de frente com o conforto dos donos do poder quando saía por aí de mãos dadas com os excluídos e curava os enfermos.  Espalhava a esperança na pobreza dessa terra. Convencia os homens de que viver vale a pena desde que a vida seja exercida numa comunhão em que não haja desigualdade, injustiça, opressão e hipocrisia. Só dependia de nós que a vida fosse como uma dança, sem agressão, os bichos sem matança, a mata livre da queimada, as nuvens despejando a chuva para fertilizar a terra, desprovida do veneno letal da poluição.  

        

 Os donos do poder no sistema organizado não perdoaram a afronta. Traçaram o mais pérfido caminho para ele ultrapassar a linha do horizonte, que tanto contemplara quando era criança.  Fizeram que carregasse uma cruz pesada. Puseram uma coroa de espinho na cabeça, cuspiram nele, chicotearam. Morra o rebelado, o falso profeta, o demolidor da ordem, o mentiroso fazedor de milagre, alardearam.  Os que estavam com raiva nos olhos, perjuro no coração, fúria canina nas veias, investiam, urravam, não se cansavam de pedir que fosse condenado o subversivo do sistema.  Ficaram calados quando foi decretada a crucificação. Não aceitaram que no seu lugar ficasse o ladrão, que para ali fora apenado com a crucificação pelos crimes cometidos.

     

Mas o que se viu, depois de perversa infâmia vinda de uma perseguição sem igual, é que até hoje tocam os sinos do bem na cidade e na campina, só para nos dizer que do menino nascido na manjedoura se fez um homem para ofertar a todos o amor, apesar de receber em troca seguidas pedradas. No final crucificado para que se cumprisse a profecia, o bendito salvador da humanidade veio para nos dizer que era o filho do Pai Eterno, perdoava a todos que não sabiam que a mais difícil prova era a da inocência.  

     

 Blem, blem, blem, confirmam até hoje o acontecido os sinos de Belém, dizendo que o Menino Deus veio ao mundo dos humanos por nos querer tanto bem.   

 

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

 

            Papai Noel ontem e hoje

             Cyro de Mattos                                          

 

A cidade tinha pouco mais de quinze mil habitantes. Servira de burgo de penetração aos forasteiros que adentravam o continente na conquista e povoamento da terra. Tinha poucas ruas calçadas, um cinema, uma praça, pequena igreja, um ginásio, três bairros. O comércio era ativo na avenida principal. O rio corria manso no estio, era valente na enchente. Tinha peixe em abundância nas águas de fontes claríssimas.

Ninguém podia imaginar que um dia fosse inventada a televisão, na tela de um aparelho mágico se assistiria tudo que estava acontecendo no mundo. Os brinquedos seriam fabricados pelos meios eletrônicos como resultados dos avanços tecnológicos. Na pequena cidade respirava-se um clima de estábulo quando chegava o mês de dezembro.  Comemorava-se o Natal como se a cidade fosse uma família grande. Todos, dos ricos aos mais humildes, integravam-se no clima da festa, que anunciava a vinda do menino para fazer a proeza de estrela iluminando uma só mesa com todas as mãos.

Papai Noel existia no imaginário de cada criança. A mãe lembrava, na semana próxima ao Natal, que o filho fosse escrever a carta, colocasse no sapato quando for dormir, pedindo a Papai Noel o presente que você quer ganhar nesse ano. Foi o que o menino fez no mesmo dia, pedindo que queria ganhar uma bola de couro daquela vez para jogar futebol com os amigos no campo da praça Camacan.

 Na véspera de Natal, a mãe disse que fosse dormir cedo, Papai Noel podia passar por aqui e se encontrasse você acordado não vai deixar seu presente no sapato. Ele só deixa o presente no sapato se o menino estiver dormindo, não podia esperar o garoto pegar no sono, tem muita criança para presentear naquele dia especial, consagrado ao nascimento do menino Jesus na manjedoura.

O velocípede, o jogo de botão, o dominó, o jogo de dama, o realejo e o pião que rodava na mão foram presentes que Papai Noel deixara quando acontecia o Natal. Estavam no baú onde também guardava as revistas de quadrinhos, guri e gibi. 

Quando chegou finalmente a véspera de Natal, obedeceu ao conselho da mãe, foi dormir cedo, na certeza de que Papai Noel não ia se esquecer dele. Acordou no outro dia com sono. O susto esplêndido teve quando clareava o dia.  Lá estava no par de sapatos a bola de couro como o presente de Papai Noel, que atendera o seu pedido. 

O domingo brilhava com a sua luz forte que caía do céu sobre todas as coisas. De calção e peito nu, chamou os meninos para escolher os times para mais uma partida de futebol. Como dono da bola, na formação de seu time, tinha preferência para escolher os garotos que fossem os melhores jogadores. De agora em diante, com esse privilégio, o time que escolhesse seria vencedor em todas as partidas no jogo de futebol. E isso tinha que agradecer ao Papai Noel.

Passados tantos anos, o homem idoso não esqueceu que Papai Noel mora em um lugar que neva. Chega no trenó puxado por renas. Entra pela janela para deixar no sapato o presente que o menino pediu, isso porque as casas da sua cidade não possuem chaminé. Veste roupa vermelha, usa uma barba branca crescida, o gorro cobre os cabelos sedosos. Não faz rô, rô, rô, nem tira foto com a criança no supermercado. Não é pretexto para motivar as vendas no comércio nessa fase do ano. Não é um Papai Noel protagonista da sociedade consumista.

É um encantado, o homem idoso prefere esse, que faz bem, torna a vida viável como se fosse uma grande mentira de verdade.    

 

           

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

 

As Intermitências da Poeta Estreante  

Cyro de Mattos

 

         Tenho recebido muitos livros como gentileza de seus autores, alguns deles no intuito de que eu faça uma leitura crítica. A essa altura da estrada comprida no mundo das letras, com quase 86 anos de idade, quase não tenho tempo para ser o leitor voraz de outros tempos. Entre os livros que recebi ultimamente chegou-me Intermitências apenas, de Valéria Grass, que logo me deu a sensação de que se trata de uma autora estreante dona do ofício, com uma linguagem que inova na forma e ideia. A estreia dessa poeta revela um discurso eficiente no qual as vírgulas funcionam como pausas carregadas de significados, tornando-se no texto recursos de uma linguagem transgressiva que elimina a parte obscura da matéria e ao mesmo tempo ilumina o ser.  

Valéria Grass não tem compromisso com o verso, nem pretende se conter na estrofe com seu ritmo convencional. Ao invés disso tece de maneira arguta as capturas necessárias da vida para construir um discurso diferente, armado com tensões e reflexões, no intuito de plasmar o curso da experiência humana com suas circunstâncias vitais. Serve-se do intertexto para fundamentar a ideia e dizer da existência sustentada em eco onde nem sempre os desejos se confirmam.

Como William Faulkner em que o conto sempre importa mais que o contista, nas argumentações, impressões, confissões, vivências, lembranças, vozes, fluxos do inconsciente, em Valéria Grassi o conteúdo vale mais do que o autor com o seu nome gravado no livro, como é a praxe. Importa é o que está posto no centro do seu discurso, que é ela mesma, pulsando nas entranhas suas reflexões e   no pensamento suas concepções da existência.  Nesse fluxo do sentir e pensar a existência humana, há um jeito tão dela de fazer circular por entre vasos intercomunicantes seu discurso inovador em que um feixe de situações existenciais são flagradas para que ressoem sua realidade nas entrelinhas. Nisso afloram recursos inesperados da linguagem com a interrogação, a negação e a afirmação, meios de uma forma e conteúdo que seguem um curso como fluxo incessante para externar a vida com suas visões críticas, atritos e solidões.  

Essa poeta que faz sua estreia com Intermitências apenas, em que a vírgula exerce sua função nas entrelinhas, reveladora de sentidos, mostra no seu primeiro livro a capacidade de se tornar uma voz expressiva da poesia atual.  Chega para permanecer com seu discurso instigante marcado de ideias e   reflexões inteligentes trazidas pelo vento em seu galope do imaginário para levá-la até onde puder chegar.

 

* Intermitências apenas, Valéria Grassi, Editora Cambucã, Rio de Janeiro, 2024.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

 

                   Livros em espanhol de autor grapiúna

                  Vão ser estudados na UESC em 2025               

A professora doutora Raquel da Silva Ortega, da Universidade Estadual de Santa Cruz, comunicou ao escritor Cyro de Mattos que no próximo semestre acadêmico (de abril a julho de 2025) vai estudar seu livro "Infancia con animal y pesadilla (y otras historias)" com os seus alunos da disciplina Língua Espanhola VII, ao mesmo tempo que convida o autor grapiúna  para participar de uma roda de conversa sobre os seus  livros publicados em espanhol.  

 

Os livros de Cyro de Mattos publicados em espanhol são estes: Donde Estoy y Soy, bilíngue, tradução de Alfredo Pérez Alencart, Guitarra de Salamanca, bilíngue, tradução de Raquel da Silva Ortega, Navidad de los niños negros, em seis idiomas, tradução para o espanhol por Meritxell Marsal Hernando, e Historias Brasileñas, em preparo de edição pela Casa das Americas de Cuba, na importante Coleção La Honda. Além disso, vários poemas do autor grapiúna estão incluídos em antologias publicadas na Espanha onde também são divulgados pela TV  Salamanca no programa “Crear en Salamanca”.  

 

 Ressaltando que era uma honra para ele,  Cyro confirmou sua presença com os alunos na conversa decorrente dos estudos de seus livros em espanhol na UESC. Sobre este assunto a doutora Raquel observou:  

“Acredito que um momento de conversa sobre as suas publicações em espanhol e a participação em premiações internacionais - principalmente o Casa de Las Américas, de Cuba - será muito significativo para os alunos.” 

 

domingo, 24 de novembro de 2024

 

                      O Cego Marujo

                          Continho de Cyro de Mattos

 

               Na minha infância conheci criaturas interessantes que, na maneira de ser de cada uma delas,  davam cores e sons à cidade. Faziam parte do espetáculo da vida onde  quer que se apresentassem.  O cego Marujo era uma delas. Fazia ponto com a sua viola inseparável no estacionamento  de ônibus, que ficava no centro da cidade, atrás do prédio do Instituto de Cacau da Bahia, perto do Ginásio Divina Providência. 

         As marinetes, assim chamados os ônibus de cadeira dura daquela época,  chegavam e saíam daquele local  movimentado com  gente próspera e modesta. Ali,  os carregadores entregavam  os embrulhos grandes pelas janelas aos passageiros que  retornavam  a alguma cidade circunvizinha. Não importava o tempo, chuvoso ou de estio, lá estava o cego Marujo dedilhando a viola ao peito, a cuia ao lado.

         Ficava no passeio, embaixo da marquise, junto à entrada  para os guichês onde os passageiros compravam a passagem.  Antes que o ônibus partisse,  passageiros gostavam de ouvir o cego Marujo dedilhando a viola, que gemia ao peito. A cuida ia se enchendo de cédulas de dinheiro e  moedas na medida que ele ia tirando  suas cantigas, dizendo de coisas alegres e tristes, das ocorrências rotineiras que serviam de alimento à memória da cidade.

     .  Desfiava na viola a história que falasse de algum assunto  bastante comentado na cidade, como o da mulher  que foi esfaqueada pelo marido ciumento quando o casal atravessava a Ponte  Velha.  O marido acusava de estar sendo traído pela mulher com o vizinho.  A pobre coitada só fazia cuidar dos  afazeres da casa e fazer a comida gostosa para o marido ciumento. No meio da discussão acirrada, o marido golpeou a infeliz com várias facadas. Melado de sangue,  sem saber o que fazer depois da cena alucinada,   o marido ciumento  jogou da ponte o corpo da mulher no rio e saiu disparado rumo ao centro da cidade,  gritando que era um homem desgraçado.

      Outra vez o cego Marujo desfiou a cantiga da mulher que pariu no meio da Ponte Velha. Teve sorte. Deu à luz com a ajuda de duas mulheres idosas,  que cedo  iam fazendo a travessia na ponte.  Pariu um menino graúdo. Não deu um gemido durante o parto, não chorou, , não  fez cara feia.  Levantou-se com a ajuda das duas mulheres  que fizeram o parto. Saiu andando como se nada de mais tivesse acontecido, o menino nos braços, no rosto alegre o sorriso gordo.   

            Se o cego Marujo não enxergava, os olhos estavam submersos nas sombras,  como era que conseguia gravar aquelas histórias,  que pareciam  publicadas nos  cordéis escritos pelos  trovadores da cidade?  Comentava-se que o seu guia, um menino negro, esperto,  era quem lia as histórias de cordel  para ele no barraco onde moravam no bairro da Conceição. Ele fazia a música e encaixava a letra no  cordel  cujo conteúdo  mais o marcava. Mas também improvisava com  cantigas baseadas em histórias que ele mesmo inventava.

           Gostava de fazer o  público sorrir quando estava  aglomerado  diante dele. Certa vez, ouvi o cego Marujo  falar do tempo que era jovem, enxergava até agulha na areia, era pescador que saía cedo  para pegar o peixe  nos longes do mares bravios.

 

          O barco parecia brinquedo

          Nas mãos da onda gigante,

          Que assombrava a tripulação,  

         Só Marujo não tinha medo

         Quanto maior  fosse o perigo

         Causando enorme aflição..

 

       Não viesse pescar comigo    

       Nos mares longes  de Ilhéus,

      Homem que fosse frouxo,

     Que goste de sombra fresca,   

     Dormir gostoso na cama,

    Comer mulher de bunda gorda.   

domingo, 10 de novembro de 2024

 

                   Nosso Herói Jipe e Maria Camisão  

                                 Por Cyro de Mattos

 

                 Jipe não era apenas mais um doido manso com suas esquisitices que habitou minha infância cheia de sentimentos e graça. Era o mais querido por gente grande e pequena. Hélio Pólvora, nascido em Itabuna, ficcionista dos melhores da moderna literatura brasileira, dedicou-lhe o conto “No Peito o Motor”, que faz parte do livro Estranhos e Assustados, publicado pela editora Francisco Alves, Rio, 1977. Teve várias edições, deu ao autor o Prêmio Nacional da Fundação Castro Maia.

                 Depois do conto primoroso do conterrâneo Hélio, tive a ousadia de escrever um texto de ficção breve sobre nosso herói do trânsito, que de repente se achara que era de corpo e alma um jipe. O título do meu texto é “Um Jipe nas Nuvens”. Faz parte do livro Nada Era Melhor, da Editus, 2017, é uma reunião de contos curtos ou romancinho da infância, se quiserem. Jipe aparece no meu romance Eterno Amanhecer, ainda inédito, com mais estaque.

            Os meninos de meu tempo consideravam os doidos mansos como uma gente indefesa, ingênua, engraçada, sofrida, invenção do destino. Tanta consideração tínhamos por eles, que meu livro Zurububuruna, Editora Batel, Rio, 2024, poesia satírica em formato de cordel, sobre uma gente que habita com suas vilanias uma localidade imaginária, é dedicado aos doidos mansos de minha terra, claro que na homenagem não podia faltar nosso famoso Jipe.

         Eis a dedicatória no meu livro Zurububuruna:          

                                    

                                      Aos doidos mansos de minha terra, que não fazem mal a uma mosca.                                                        

                                     Ingênuos, indefesos, perseguidos pelo fado. Incansáveis intérpretes

                                     da vida diária, riso do trânsito. Mula-Manca, Maria Camisão, Ciro Mergu-

                                    lhador, o tal Jipe falado. Zeles Carnavalesco, mais Chiranha, mais Paturi,

                                    meio azoado, entre outros, dedico com muito gosto esses versos de pé

                                   quebrado.

                       

       Maria Camisão vestia uma camisa folgada, mangas compridas, de tão grande batia nos joelhos. Ela era de estatura baixa, os cabelos sempre assanhados, a boca desdentada.  Alguns diziam que guardara como lembrança meia dúzia de camisas do seu homem, um preto alto e forte. Vivia do ganho da roupa que lavava para a família abastada. Nas horas de crise aparecia na avenida do Cinquentenário. Revoltava-se, xingava a Deus e o mundo. Comentava-se que ela havia ficado adoidada depois que o marido amanheceu enforcado na cadeia, dizem que a mando do delegado Nero, que armara para ele uma cilada. O delegado mandou que os dois soldados tomassem as caças moqueadas e prendessem na feira o homem chamado Barba Preta.  Não demorou, não se sabe como, o delegado passou a ser o dono da rocinha de cacau e cereais, que o negro Barba Preta havia plantado nas Salteadas.

Escrever sobre esses tipos curiosos de minha terra, convenhamos, é atender com prazer no tempo o aceno das distâncias. O aceno dos dias com sua graça e lamento. Eles preenchiam a minha infância como um episódio relevante da vida, sem que nada me custasse. 

 

 

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

 

Memória de Itabuna Agredida 

Cyro de Mattos

 

Sugeri há dias, no “zap” de correspondência social da Academia de Letras de Itabuna, que a entidade devia se manifestar com uma nota de repúdio contra a demolição do prédio onde morou o comendador Firmino Alves, fundador de Itabuna. Agora fico sabendo que a dose da danosa demolição foi dupla. Demoliram a casa onde morou o poeta Firmino Rocha.  Essas duas agressões estúpidas foram dadas na cara da cidade, situada ali na praça Olinto Leoni, local onde se encontra o esfacelado Centro Histórico de Itabuna. A Galeria Walter Moreira, pintor renomado das paisagens e tipos da cidade, erguida também na praça Olinto Leoni, foi demolida pela atual administração do município.  

 A demolição dos prédios que serviram de residência ao Comendador Firmino Alves e ao poeta Firmino Rocha vêm na mesma esteira do que aconteceu com o Castelinho, um primor de arquitetura colonial, representativa da beleza antiga forjada no auge da lavoura cacaueira. Ressalte-se que o Comendador mandou construir o Castelinho para dar à sua filha Áurea como presente de casamento.  Como se nada significasse, o destino desse prédio de beleza antiga rara e importância histórica incontestável teve como final desastroso o de ser engolido pela boca insaciável da ganância imobiliária

            Quando em 2011 fomos presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, demos parecer contrário à venda do prédio onde funcionou o Ginásio Divina Providência, educandário que contribuiu para que jovens se tornassem dignos cidadãos e profissionais valorosos. O prédio daquela instituição de ensino fora tombado em 2008.  Uma empresa se interessou em adquirir à Sociedade de São Vicente de Paula, dona do imóvel, comprometendo-se em construir no local um shopping que daria   emprego a 600 pessoas.  Edital do Executivo Municipal determinou que fosse criada uma comissão para examinar o assunto. A Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania não integrou essa comissão. Consultada para que desse parecer sobre a questão, nos manifestamos para que o Executivo Municipal desapropriasse o imóvel e em seu lugar instalasse o Museu de Educação de Itabuna e o Memorial Lindaura Brandão, educadora que dedicou sua vida para que sempre estivesse em pé com dignidade o educandário de grande valor histórico  no ensino e educação, locais e regionais.  

. Apesar de nosso parecer contrário à venda do prédio onde funcionou o Ginásio Divina Providência durante décadas, o negócio da venda do imóvel foi realizado, pasmem os céus, e um shopping que foi construído na metade do terreno apenas deu emprego a poucas pessoas. Conservou-se apenas a fachada do prédio construído na metade do terreno,  e o seu interior foi destinado ao comércio. 

Na época em que fomos presidente da FICC listamos uma série de prédios históricos que deveriam ser objeto de tombamento por lei municipal, incluindo-se nesta os imóveis onde residiram o Comendador Firmino Alves e o poeta Firmino Rocha, localizados na praça Olinto Leoni. Não tive assistência jurídica municipal eficiente para levar adiante o projeto de tombamento de prédios com importância histórica para Itabuna. Não sei se os prédios listados em minha gestão foram tombados posteriormente através de processo administrativo. 

Estou de pleno acordo com os membros da Academia  de Letras de Itabuna que querem que o caso da demolição abrupta dos prédios onde residiu o Comendador Firmino Alves e o poeta Firmino Rocha seja motivo de uma nota de repúdio. E me associo também aos que desejam que o fato calamitoso seja levado ao conhecimento do representante do Ministério Público para as medidas cabíveis de lei e para que inclusive, por extensão,  seja preservado o pouco que resta do patrimônio histórico de uma cidade com papel importante na formação da civilização cacaueira baiana. 

          Já não basta o que estamos fazendo com o rio Cachoeira?  Antes de fontes puríssimas e peixe em abundância, era chamado de pai dos pobres, agora enfermo, afogando-se nas águas viscosas derramadas por bocas de vômito. Pobre rio, de vida saudável outrora, habitado por gente simples, hoje não passa de esgoto a céu aberto.  

 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

 

Resenha sobre Do Menino Se Fez o Homem, romance de Cyro de Mattos, por Ivo Kory


Do alto de suas oito décadas e meia de vida, Cyro de Mattos pode se orgulhar de ter dedicado sua jornada à nobre causa da criação literária em vários gêneros: poesia, ensaio, conto, romance, crônica, texto jornalístico e infanto-juvenil. Mas, à semelhança de Goethe que, na velhice, surpreendeu o mundo com seu inovador Fausto II, Cyro não deita sobre os louros da vitória, ao contrário, ele sempre surpreende, sempre se renova, cria algo de novo.

Agora eis que Cyro de Mattos resolve destilar sua experiência de vida e nos surpreende com seu romance de formação Do menino se fez o homemNão se trata de obra autobiográfica, e sim de uma obra de autoficção: ficção baseada até certo ponto na vivência do autor ou, nas palavras do próprio Cyro, “reinvenção do real com as experiências do autor, que assim procedendo cria outro ego”. E o que é um romance de formação? O termo é uma tradução do alemão Bildungsroman e o criador do gênero foi o genial poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe com sua obra Os anos de aprendizado de Wilhelm MeisterTrata-se do romance que descreve o desenvolvimento de um personagem, desde a sua infância ou adolescência até a maturidade, como esclarece o verbete “Bildungsroman” da Wikipédia. Da criança (ou adolescente) se faz o homem.

Segundo Massaud Moisés, no seu Dicionário de termos literários, podem-se considerar romances de formação na literatura brasileira, “até certo ponto, [...] O Ateneu (1888), de Raul Pompéia, Amar, verbo intransitivo (1927), de Mário de Andrade, os romances do ciclo do açúcar (1933-1937), de José Lins do Rego, Mundos mortos (1937), de Octávio de Faria [...]”.

O romance de Cyro narra a trajetória de Frederico, o Didico, filho de um pai sério, rigoroso e taciturno que dedica a vida a amealhar um patrimônio para garantir o conforto de sua família (e, quando a esposa adoece, também para cobrir de agrados uma amante mais jovem com quem passa a viver). O pai não poupa conselhos ao filho mais novo para que siga o mesmo caminho de trabalho duro e esforço que ele trilhou. Quando o filho consegue passar no exame de admissão para o ginásio – exame existente até certa época no sistema educacional brasileiro que permitia a passagem do curso primário para o curso ginasial, que hoje correspondem, respectivamente, às quatro primeiras e três ultimas séries do primeiro grau – recompensa-o com uma nota de dez cruzeiros e aconselha: “Não vá fazer besteira e gastar o dinheiro à toa. A economia, meu filho, é a base da prosperidade e sem sacrifício não há independência. Não se esqueça que do menino se faz o homem.”

Só que, em vez de fazer daquela nota a sua “moeda número um” do Tio Patinhas, guardando-a e multiplicando-a, o menino cai nas tentações de um parque de diversões que se instala na cidade, com suas luzes feéricas, suas guloseimas e brinquedos irresistíveis, e torra o dinheiro numa quermesse tentando, em vão, ganhar a bola de futebol que lhe permitiria escalar os times das peladas da rapaziada. Chega em casa sem o dinheiro e sem a bola, e leva do pai uma surra memorável que ficará gravada na memória e o inspirará, mais à frente, a tentar evitar que outras crianças de sua cidade passem pelo mesmo trauma, criando um parque onde crianças até doze anos não pagam.

Até chegar lá, desenrola-se todo o processo de formação: o ginásio local, o internato na capital Salvador, a solidão e medo na primeira noite no novo ambiente, a faculdade de direito, o primeiro grande amor por uma moça paulista, a doença da mãe, a volta triunfal dez anos depois à cidade natal, onde se estabelece como um grande advogado mas, em vez de se preocupar em enriquecer advogando para as famílias ricas da região, decide advogar em prol dos pobres. Foi assim que “do menino se fez o homem”. Uma história edificante, narrada com plasticidade e poeticidade (lembremos que, além de prosador, Cyro é um exímio poeta), levando o leitor a se esquecer de si mesmo e se transportar à pele do personagem. Bem fez o Colégio Jorge Amado, em Itabuna, que adotou o romance, publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado (Salvador), para os alunos do oitavo ano, que o usarão para uma oficina e peça de teatro.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

 

Escolha Aí O Seu Candidato

Cyro de Mattos

 

Para vereador

Vote em Valdenor

Sempre com o eleitor

Na dor e no amor

 

Pinapá tem jeito

Na hora de votar

Prefeito Zé Preto

Cidadão perfeito

 

Pra vereador

Luís Bigodão

Ao seu dispor

De coração

 

Juca Magarefe

Com ele de novo

Pro que der e vier

Em favor do povo

 

Vá com Pilequinho

Promete e cumpre

Parceiro no chope 

De dia e de noite

 

Totonho Ceguinho

Vote com atenção

Sou contra prefeito

Mafioso e trapalhão

 

Zezito Passarinho

Vereador melhor

Espanta a tristeza

Canta como curió 

 

Não vá de trambique

Não vá nessa onda

Vereador porreta

O Tonico-Espoleta

 

Com cara de mau

Não é de brincadeira

Não explora o povo

Josevandro Ratoeira

 

Quer andar seguro

Sem temer ladrão

Ou bala perdida

Vereador Juca Leão

 

Prefeito preguiçoso

Trapaceiro e ladrão

Comigo não tem vez

Vereador Cassação

 

Vote em Chiranha

Vereador legal

Prefeito safado

Comigo apanha

 

Sou Juvenal

Não temo o furacão

Sou o pirata

Da cara de mau 

 

Vote em Da-Banda

Cuidando da saúde

Do doente de asma

                                      E da mulher grávida.

   

Caboclo Bem-te-vi

Defensor do índio

Filho de Jandira

E do cacique Inuri

 

Negro Quilombola

Confio na negrada

Não fique aí embaixo

Tomando pancada

 

Zi do Cassetete

Vereador atuante

Contra desmando

De gente cafajeste

 

Lembre Pastor Babá

Quando for votar

Ele tira seu coração

De qualquer aflição

 

Bom é Arimateia

Aqui no Pinapá

Casa e comida

Ele vai te dar

 

                                 Contra o ímpio

Contra o pornô

Padreco Joca 

Faça-me o favor

 

De Cafuringa

Tenha certeza

Cidade limpa

  Sem catinga

 

                    Coveiro Jupará

                             É só me chamar

                            Cubro o fedor

                            Com a minha pá